Cassio Carvalheiro

sexta-feira, 20 de julho de 2012

HAIKAIS E O BURLESCO - (7) e (8)


HAIKAIS E O BURLESCO - Meus Haicais - (7) e (8)

7. O Haikai tradicional

Entre fev.2002 e jan.2003 experimentei o Haikai tradicional - “poemas de estação”, isto é, poemas reconhecidos pelo uso obrigatório dos “kigo”, palavras associadas à   estação  em que se compõe o haicai, que o Jornal NIPPO-BRASIL  publicava em seu CADERNO ZASHI (a/c Haicai Brasileiro). Eis alguns dos meus haicais publicados nesse jornal. 

02) (Capim Viçoso) - JAN/2003 -

NO CAPIM VIÇOSO
O GADO VAI, SOLIDÁRIO,
VIRAR PROTEINA.

13) (Flor de Laranjeira) NOV/2002

ESFREGO NAS MÃOS
PARA TIRAR SEU ODOR.
FLOR DE LARANJEIRA.

23) (Catavento) - SET/2002

AGORA É TEMPO
DE SOPRAR A BOA BRISA.
GIRA, CATAVENTO!

26) (flores do Mulungu) - JUL/2002

VERMELHAS, PENDENTES,
ESCONDEM UM PASSARINHO.
FLORES DO MULUNGU.

29) (gorro de lã) JUL/2002

GELADA MANHÃ.
NAS ORELHAS, UM ABRIGO:
MEU GORRO DE LÃ.

63) (Caxinguelê) - MAI/2002

CRUZA A ESTRADA
CAXINGUELÊ ATREVIDO.
ATRÁS DA AMADA?

64) (Arapuca) - MAI/2002

NÃO TINHA COMIDA
DEBAIXO DA ARAPUCA.
PÁSSARO SUICIDA.

75) (Louva-a-Deus) ABR/2002

RÍGIDO, PARECE
LOUVA-A-DEUS EM ÊXTASE,
NO FERVOR DA PRECE.

116) (Pinha) ) - MAR/2002

TIRO UM PEDAÇO
DA PINHA; UM PROJÉTIL:
LANÇO NO ESPAÇO.

( SÉRIE 365 HAICAIS INICIADA NO DIA 16/09/2000 E ENCERRADA NO DIA 10/12/02)

j_nagado - 365 Haicais - 10.12.2002)





8. RETORNO AO HAICAI


Quando retornei ao haikai (entre setembro de 2003 e agosto de 2004) procurei uma composição com características mais próximas possível do haikai tradicional (poemas de estação).

1)     (Broto de Bambu) - dez.2003

BROTO DE BAMBU
TAMBÉM QUER AGITAR FOLHAS,
VERGAR SUA PONTA.

2)     (Joaninha) - dez. 2003

DE CORES VISTOSAS,
NO CHÃO É DESENGONÇADA.
VOA, JOANINHA!

3)     (Maria Catinga) - mar. 2004

MARIA CATINGA
DEIXOU PÉTALAS NO CHÃO,
MAU CHEIRO NO AR.

4)     (Romã) - mar. 2004

A ROMÃ SORRI
DA CRENDICE POPULAR.
TEM HUMOR A FRUTA.

5)     (Folha Seca) - jun.2004


MODO SINGULARTEM A FOLHA SECA.DE SUGERIR NOVOS TEMPOS

6)     (Tosse) - jul.2004

Os bichos acordam.
Quebra o vazio da noite
A tosse do bode.

(j_nagado - retorno ao Haicai - ago.2004)






HAICAIS E O BURLESCO - Meus Haicais - (5) e (6)

 HAICAIS E O BURLESCO - Meus Haicais - (5) e (6)




O haicai tradicional possui virtudes estéticas e de estilo que tornam esse poemeto apreciado em todo o mundo. A não valorização do "kigo" (palavra de estação) nos tercetos que apresentamos abaixo, os colocam num patamar de "não haicai". Mesmo respeitando esta consideração elogiamos  as palavras de Paulo Franchetti * Professor titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.(Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ) , em defesa do hai-kai de Millor Fernandes.
"A coloquialidade e o tom irônico filiam o "hai-kai" de Millôr na poesia de Oswald de Andrade  e o integram na linha do poema-piada do Modernismo brasileiro. A disposição em três segmentos espaciais, entretanto, é tudo o que parece ter aproveitado do poema tradicional".
Assim, haicai ou "não haicai", meus tercetos apresentados em (5) e (6) mostram personagens   prosaicamente conhecidos esbanjando um estilo "poético". Será ? (j_nagado - 20.07.2012)




 5. Haicais para o Ridículo  

O olhar crítico reconhece o Ridículo como personagem burlesco  no meio da multidão. Ele que se julgava incógnito, como tantos outros personagens, passará a ser objeto de estudo de estilo. Confira.

(207) Ridículo - 1

DINHEIRO NO BOLSO,
ESTÁ BONITO O “Tio”,
MAS SÓ PEGA OSSO.

(206) Ridículo -2

TENTOU UM XAVECO.
BANDIDA, ESTAVA “LIGADA”:
CHAMOU DE BONECO.

(205) Ridículo - 3

TOMOU DAÍ-KIRI.
FICOU BEM ALTO, ARRISCOU:
PEGOU TRAVESTI.

(204) Ridículo - 4

NO AGITO QUENTE,
SAI O AMIGO DISCRETO,
BOBO APARENTE.

(203) Ridículo - 5

BALÃO APAGADO,
NO “PICO” VAZIO,
ESTAVA MIJADO.

(j_nagado - da série 232 haicais - 2001)

6. O nó cego -  (quase um haicai-renga)

Além da crônica – o Nó Cego - postada no blog, este haicai se aproxima da forma do Haikai-renga com o dístico (comum) e o terceto variado na sua composição.

(dístico)
HOMENAGEM AO NÓ CEGO,
ANTES DE TUDO, OTÁRIO.

228 (NÓ CEGO – ACORDANDO)

LEVANTA SONADO
TROPEÇA NO SEU CHINELO
E CAI SENTADO.

227 (DESCULPA DO NÓ CEGO)

CHEGOU ATRASADO.
O DESPERTADOR FALHOU:
ESTAVA QUEBRADO.

226 (JUSTIFICATIVA DO NÓ CEGO)

PERDE O OTÁRIO
O AVIÃO APRESSADO:
“FORA DO HORÁRIO”.

225 (ROMPANTE DO NÓ CEGO)

É COMIGO MESMO!
PEPINO SÓ EU RESOLVO,
RECITA A ESMO.


224 (PICUINHAS DO NÓ CEGO)

TOMA NOSSO TEMPO
COM PICUINHAS PERDIDAS
LANÇADAS AO VENTO.

223 (LADRÃO DO TEMPO NAS REUNIÕES)

SUSCITA QUESTÕES
JÁ RESOLVIDAS E MORTAS
NAS REUNIÕES.

222 (NÓ CÉGO E O COMPROMISSO)

NADA CONFIÁVEL,
ASSUMIR UM COMPROMISSO
É POUCO VIÁVEL.

221 (NÓ CEGO DESPERDIÇA SEU TEMPO)

VIVE OCUPADO,
REVENDO VELHOS PROJETOS,
ERROS DO PASSADO.

(j_nagado - da série 232 haicais - 2001)

HAICAIS E O BURLESCO - Meus Haicais - (1) e (2)

HAICAIS E O BURLESCO - Meus Haicais   - (1) e (2) 

Entre os anos 2.000 a 2004 “compus mais de 400 haicais entre imagéticos, ideológicos e libertinos”, sem imaginar que  aquelas sensações permaneceriam incólumes no decorrer desses anos todos. Revistos após 10 anos os haicais revelaram seu potencial de experiência  enriquecedora, espiritual, intelectual e criativa, e apesar de coletados em eventos datados, duradouros.   

1. Quadros e haicais  

No ano (2000) fotos e quadros produzidos por mim passaram a servir de temas para os primeiros exercícios de composição de Haicais. Sem métrica ou rima, essas composições tinham apenas os três versos dos Haicais. 
A contextualização do tema fazia a aproximação psicológica do leitor ao clima do haicai


Vinte quadros e haicais completam essa série – "Quadros e Haicais", concluída em 2002.  A seguir registramos dois desses quadros e haicais: 

a)A igreja de uma pequena cidade do interior foi o tema de uma tela e de um dos primeiros Haicais.  

São Luiz do Paraitinga (SP) - Corpus Christi –  22/06/2000 

A Igreja ainda vazia, esperava o povo agitado bem perto dali, nas ruas próximas com o chão enfeitado 

A IGREJA DOS HOMENS 
APONTA PARA O CÉU 
A CRUZ DA SUA FÉ.  

b) Violino vermelho


Um estranho violino faz a apologia do mistério, do desconhecido, que as pessoas temem e respeitam. 
Como um fetiche, dá o poder de encantamento ao seu possuidor. 

Segredo e Poder. 

Do violino, a cor de sangue.
Do possuidor, o encantamento 


(j-nagado - Quadros e Haicais - 28.02.2002) 




2. Ao estilo de Millor Fernandes 

Ilustrar o Haicai foi a forma de Millor fazer a aproximação psicológica do leitor ao tema. 

Um dos meus  primeiros Haicais sugere essa aproximação, através do desenho de uma lápide, com a gravação de um ponto (ponto final) dentro de um círculo. O Haicai: 

EXISTENCIAL, 
PURA FRASE LAPIDAR: 
UM PONTO FINAL. . 

Alguns dos meus primeiros (365) haicais lembravam imediatamente uma ilustração bem humorada da situação, como nos haicais do Millor Fernandes.  

(365) 
SER PERFEITO DEMORA. 
SE ESTA É SUA INTENÇÃO, 
COMEÇAI AGORA. 

(360) 
EM SUA DEFESA, 
FAÇA O GOL DA ALEGRIA: 
CHUTE A TRISTEZA.  

(357) 
GENIALIDADE 
É TALENTO COM TRABALHO. 
E PUBLICIDADE.  

(349) 
NÃO FOI POR MALDADE, 
CONFESSA O CRIMINOSO, 
FOI POR BONDADE.  


(j_nagado - 365 Haicais - 10.12.2002)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

HAICAIS E O BURLESCO - Meus Haicais - (3) e (4)

HAICAIS E O BURLESCO -  Meus Haicais - (3) e (4)








3. Haicais libertinos

Vários haicais foram classificados ironicamente de  "libertinos", sugerindo certo moralismo característico do estilo burlesco  que chamamos de Espirituoso.

(353)
UMA BOA RISADA
É COMO EJACULAÇÃO
DE GRANDE TREPADA.

(338)
MODA SENSUAL:
PRISÃO DA LIBIDO,
SEXO VISUAL.


(239) (SACANINHA)
NOITES DE FOLIAS,
SEUS JOELHOS SE ENCONTRAM,
APÓS MUITOS DIAS.



4.Haicais ideológicos

O pensamento popular é a fonte natural destes Haicais ideológicos que transitam no burlesco pelas vias   dos fundamentos Mitológicos, Teológicos, Filosóficos e Morais. O intelectual de botequim (v.categoria Gozador) assinaria estes haicais. 

(330)
NA RUA, POVÃO
MATÉRIA DE POLÍTICO,
VOTOS NA ELEIÇÃO

(322) (ex-juiz)

Lalau  amoral,
Parecia digno, decente.
Cidadão adverbial


(246) (SENADO)

CRISE NO SENADO,
FALTA DECORO E ÉTICA.
O BRASIL PARADO.

(183) (Congresso: Ago/01)

O CONGRESSO SÓRDIDO,
TRATADO DE MIL FERIDAS,
PERMANECE MÓRBIDO.


(143)(Brasil x Corrupção)

É A CORRUPÇÃO,
FLAGELO DO BRASILEIRO,
CÂNCER DA NAÇÃO.

(142) (Brasil x Oportunidades perdidas)

ESTÃO NA MEMÓRIA,
OPORTUNIDADES PERDIDAS,
MARCOS DA HISTÓRIA.


(141) (Brasil x Ressentimentos)

MARCA DA INCÚRIA,
RESSENTIMENTOS DO POVO,
POBRE, NA PENÚRIA

(140) (Brasil x Políticos)

É MUITA BURRICE,
ENALTECER EM POLÍTICO,
SUA ESTULTICE.

(134) (Brasil Nanico)

CORPORATIVISMO;
CUNHA DA CORRUPÇÃO,
TRILHA DO NANISMO.



HAICAIS E O BURLESCO - introdução

HAICAIS E O BURLESCO - Introdução


Gostava muito dos Hai-Kais que o Millor Fernandes publicava na extinta revista semanal “O CRUZEIRO”, nos idos de 1957.No ano (2000), numa loja de Conveniência de um posto de gasolina, encontrei um livro de bolso, cujo título logo me chamou a atenção. Adivinhou: “HAI-KAIS” do próprio. Millôr Fernandes. (Coleção L&PM Pocket vol.27 – 1999). Foi nesse livro de bolso que vi, pela primeira vez, informações e prescrições básicas do Haicai.
Na “pequena introdução para os não iniciados” em Hai-Kus ou Hokkus, para os japoneses ou Hai-Kai, escrito com K, grafia preferida e utilizada por Millor, conheci as principais características dessa forma de poesia simbolista originária no Japão,  da época da sua popularização (século XVII), seus temas e composição. “O Hai-Kai é um pequeno poema japonês composto de três versos: dois de (5) e um – o segundo – de (7) sílabas. No original não tem rima, que geralmente lhe é acrescentada nas traduções ocidentais”. (sic)
Nessa  época cheguei a pensar que eu (e o Millor) era a única pessoa a se interessar por Haicais. Porém, logo descobri amigos e pessoas que conheciam grupos de criadores de Haicais, principalmente gente mais velha da colônia japonesa.

A seguir alguns aspectos do Haicai citados no livro :
Haikai – Antologia e História
Paulo Franchetti, Elza Taeko Dói e Luiz Dantas
Editora da Unicamp – (1996) – Campinas - SP

A evolução waka / renga / haikai
Waka: nos séculos X a XVI,  poesia japonesa; sinônimo de tanka, sua forma por excelência.
Tanka: Estrofes de terceto (5 – 7 – 5) e dístico (7 – 7). A relação entre as estrofes raramente apresenta um nexo lógico
Renga: sequência (longa ou curta)  de estrofes (terceto / dístico); atividade palaciana  com inúmeras regras das quais as mais importantes referem-se à estrofe mais longa (hokku). Vigentes ainda hoje para aquilo que é conhecido como haikai (haiku). O encadeamento das estrofes enfatiza a beleza desse tipo de poesia.
Sua complexidade deu origem ao popular haikai-renga, de versos ligados “cômicos”, divertidos, informais.
Bashô (1644-1694) consegue dar ao haikai o estatuto de “gênero diferente e autônomo, em que o pessoal e o impessoal, o alto e o baixo, o elegante e o grotesco compõem um mesmo mundo, cheio de sentido e de vida”.

Era Tokugawa (1603 – 1867): grande estabilidade social e quase total isolamento face ao resto do mundo. Mestres do haicai: Bashô (1644 – 1694);  Buson (1716 – 1783); Kobayashi Issa (1763 – 1827) 

Era Meiji (1867 – 1912): era da Integração ou confronto do Japão antigo com o Ocidente.
Masaoka Shiki (1867 – 1902). Criador do termo haiku (HAIkai-hokKU),  separado  do poema coletivo, o renga. O haiku passa a  ser considerado literatura, dependente de contextualização  para sua interpretação.


Como arcabouço de composição, além dos versos de 5-7-5 sílabas, o Haicai valoriza a chamada composição por justaposição, para sugerir ao leitor, através de versos que se somam  para obter no terceiro, uma amplidão maior de uma sensação, sem que essas partes constituam um poema  de “sentido fechado”, isto é, em que a idéia seja completa.


O Haicai tradicional tem características bem definidas desde sua origem (hokku) na poesia do Japão, identificados como “poemas de estação”, isto é, poemas reconhecidos pelo uso obrigatório dos “kigo”, palavras associadas à   estação  em que se compõe o haicai.


O livro trata da questão ética e estética no Haikai sob os aspectos filosóficos do Budismo e do Confucionismo, considerando: "No Japão como na China, as questões éticas, religiosas e estéticas são frequentemente as mesmas questões". 
Paulo Leminski (1944 – 1989), na esteira do interesse e divulgação do Zen budismo (1960) promoveu a leitura mais recente do haikai no Brasil.
Ezra Pound (1885-1972) valoriza no haikai a composição por justaposição, em que a relação entre as partes é de natureza metafórica. Sua reflexão sobre a poesia e escrita chinesa influenciou o movimento da Poesia Concreta.

Eliminado o artificialismo, ostentações técnicas, julgamentos preconceituosos, e sentimentalismo vazio preconizados pelo Haicai, fica o conceito básico de que o Haicai   “É antes a arte de, com o mínimo, dizer o suficiente”. 

Os haicais a seguir, representam um pequeno painel obtido com esse tipo de poemeto. Nossa perspectiva na composição de Haicais destaca o aspecto de mudança comportamental, visado também pelo Burlesco. (j_nagado - 19.07.2012)