Cassio Carvalheiro

quarta-feira, 14 de maio de 2014

CRÔNICA (ANACRÔNICA) - MR. STREET - (24.01.2001)


(Crônica 03 - 2001)

CRÔNICA (ANACRÔNICA) - MR. STREET - (24.01.2001)

Caros leitores

O Esquete do Estilo Satírico vai demorar mais um pouco para ser postado, pois tive que mudar de foco atendendo a "sugestões" de amigos, preocupados com os "elogios" feitos a certos políticos, em outros esquetes.
Enquanto o Esquete do Satírico não saí do "forno", resgatamos para vocês uma crônica cosmopolita, escrita em 2001, sobre uma estadia de três meses na Inglaterra, em 1979.

MR. STREET


Recentemente, acho que foi em uma crônica de “Família Brasil”, publicada aos Domingos no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, vi uma satírica definição de Veríssimo sobre a Commonwealth: “Estranha comunidade formada por um malandro e todas as ex-mulheres que ele espancava”.

Em 1979, tendo que passar no escritório de uma companhia aérea no aeroporto de Heathrow, em Londres, eu tive a oportunidade de conhecer o saguão de espera destinada aos cidadãos dos paises da Comunidade Britânica, a Commonwealth. Não sei se ainda hoje existe tal área, nesse aeroporto. Ali, cidadãos de vários países, alguns trajados com vestes características do seu país, falavam a língua inglesa com os mais diferentes sotagues, mas com aquela postura afetada por muitos anos de colonização britânica. 
A princípio, aquele ambiente supostamente mais acolhedor que o saguão de espera destinado a passageiros de outras nações, me deu uma sensação de discriminação, mas pensando melhor, achei que não iria me sentir satisfeito naquela espécie de curral, símbolo dos interesses econômicos britânico, ou como se costumava dizer, da proteção da Coroa Britânica. De qualquer forma, achava que a “Commonwealth” era uma coisa anacrônica, como já era o colonialismo inglês, com a independência de países como a Ïndia, Egito, Birmânia, Iran, Iraque e outros do antigo Império Britânico.

Como falei, no início, estávamos em 1979. Era início da Primavera na minha estada na Inglaterra. A beleza vitoriana das construções em Londres, seus museus, parques, o metrô (subway), ruas, avenidas, tudo me parecia familiar embora nunca tivesse estado por lá anteriormente. De Shakespeare, vi-lhe uma peça representada em inglês arcaico e sua última residência em Stratford-Upon-Avon. Conheci na Liverpool dos Beatles  alguns dos pontos biográficos desse grupo fantástico que agitou nossa juventude, cuja música ainda nos faz sentir jovens. Vi seus campos verdes, que a minha imaginação logo colocou um grupo de cavaleiros a perseguir, com a matilha de cães bem treinados, aquela raposa esperta.

Vi o fanatismo inglês pelo futebol. Os Holligans são fenômeno mais recente, mas não me espantou que um dia viesse a ocorrer, com tanto fanatismo pelo futebol. Um dia, no centro de Londres, vi um Inglês de um metro e sessenta, franzino, bêbado e mal vestido, desafiar um robusto Irlandês bem vestido de um metro e noventa. Velha briga de origem religiosa. Após um primeiro sopapo que jogou o ingles longe, este ainda tentou revidar, mas foi contido por uma dupla de policiais que logo acabou com a briga. Não daria para falar de tudo que vi e conheci. Conheci um pouco de sua gente.

Fiquei a maior parte do tempo em uma pequena cidade bem no centro da Inglaterra. Lá, como participante de um curso para estrangeiros, fui muito bem tratado e tinha contatos com famílias inglesas muito gentis.

Era época de campanha eleitoral para o parlamento inglês. Andando no centro da cidade, fui abordado por um distribuidor de folhetos do partido Conservador.  Talvez tivesse sido confundido como um eventual admirador das idéias do partido, pela minha aparência asiática. Nada de mais. Até me senti um pouco inglês.

Queria até ser inglês como Mr. Street. Diretor comercial da sua empresa, para a América Latina, próximo da aposentadoria. Vivia naquela pequena cidade e tinha uma casa boa e agradável, dois carros na garagem, modestos, diga-se de passagem, se levarmos em conta o que vemos por aqui em matéria de exibicionismo de executivos menos importantes, E tinha principalmente, uma linda família: esposa e dois filhos universitários. Eram interessados em tudo sobre o Brasil. E eu falava das coisas daqui do Brasil e comentava tudo o que estava vendo e sentindo na Inglaterra.

Quase no fim da minha estadia na Inglaterra, já bastante acostumado com as sutilezas da educação britânica, falei-lhes, com bastante cuidado, daquela impressão de discriminação que senti no aeroporto de Heathrow, com relação aos cidadãos da Commonwealth. Pela respeitosa concordância de todos, tive certeza que Mr. Street e sua família jamais iriam conseguir explicar aquele tipo de discriminação. Sabiam que eu iria levar a melhor das impressões do povo Inglês, por ter convivido com eles naquela pequena cidade da Inglaterra.

De Mr.Street, guardo a lembrança do dia em que ele, um senhor de cabelos grisalhos tomou a minha maleta das mãos, pendurou meu paletó bem dobrado nos seus braços e me acompanhou, como um mordomo,  até a portaria do Hotel, onde eu cheguei, às 2 horas da madrugada, após ter-lhe telefonado de Londres e dito que havia decidido ficar mais três dias na sua cidade.

Acho que nunca deveria ter-lhe falado nada sobre a minha impressão do Aeroporto de Heathrow, apesar de concordar com a definição dada por Veríssimo.

(José Nagado – 24.01.01)