Cassio Carvalheiro

sábado, 26 de agosto de 2017

CRO 16 – PALAVRAS CRUZADAS (20.06.01)





CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO

"PALAVRAS CRUZADAS”  integra a coletânea (CRÔNICAS 2001)  publicada no blog Confrarias do Riso.  A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog. 


CRONICA 16 – PALAVRAS CRUZADAS (20.06.01) – TAM: 28 KB

https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cronica-16-palavras-cruzadas-200601.html

Saí cedo no sábado e voltei para casa às duas horas da madrugada de domingo. O “Estadão” do sábado ainda estava intato (variante de intacto, conforme o “Aurélio”, que o nefando corretor ortográfico do computador que utilizo para escrever esta crônica insiste em sublinhar), no aparador próximo a porta da entrada.
Peguei o jornal para ler, mas desisti, concluindo que, apagado de sono como estava, não valeria a pena ver o que o jornal estaria acrescentando sobre o “Apagão, As crônicas da veneranda Rachel de Queiroz ou do histriônico Veríssimo poderiam ser lidas no dia seguinte.  Além disso, novos detalhes sobre as peripécias do nosso atual presidente do Senado, o Barbalho, nas antigas maracutaias da extinta Sudam, não acrescentariam nada à péssima imagem que tenho desse político. Se o jornal estivesse publicando o dossiê do ex-senador ACM sobre o Jader Barbalho, com certeza não deixaria de ler.
O volumoso jornal de domingo preencheria minha curiosidade sobre todos os assuntos  da semana. O melhor que faria seria dormir, e acordar cedo para ir ver o concerto da Orquestra Filarmônica de Nova York, anunciado para aquela manhã de domingo, no parque do Ibirapuera. 

Resolvi ler sobre essa apresentação no Caderno de Cultura do jornal. Coisa rápida, como o horário, o maestro, as peças que seriam apresentadas e qualquer outro aspecto que pudesse ser interessante numa orquestra Filarmônica. Folheando esse caderno, ao passar pela página que contém as tiras dos Quadrinhos e as Palavras Cruzadas (Cruzadas Diretas), não resisti. Li os Quadrinhos e em seguida, passei a executar as Cruzadas. Isso mesmo. Executo todas. Diariamente. Quando não consigo resolver uma Cruzada, coisa rara, guardo o jornal para ver o resultado no dia seguinte. E completar a Cruzada com um certo sentimento de derrota. Uma, duas ou três palavras, no máximo, que faltem para completar uma cruzada, me deixam assim.

Após dez minutos, ficaram faltando três palavras que se cruzavam, de forma desafiadora para a minha sonolenta cabeça:

-          Que fornece esperança (horizontal, feminino)
-          De um horror grandioso (vertical, feminino).
-          Lastimável (horizontal)

Raramente deixo de resolver uma Cruzada do “Estadão”. Algumas vezes parece difícil no início, mas após dez a quinze minutos de trabalho, eis que a Cruzada está morta. Quando comecei a tomar o gosto em matar as Cruzadas do jornal, levava até trinta minutos esquentando a cabeça nisso, e quando terminava, sentia o prazer do desafio vencido, relendo as palavras que me tomaram mais tempo. Hoje, ao concluir a Cruzada, passo imediatamente a ler a crônica do dia, no topo da página, menos no domingo, quando vou para a página do Veríssimo (“Família Brasil”) e do João Ubaldo Ribeiro (“Ponto de Vista”).

Os quadradinhos vazios, continuavam lá, desafiando minha burrice, às duas e quinze. Bateu a fome. Fui pegar uma pera na geladeira e voltei ao jornal. Comi a pera toda, enganei a fome e fiquei mais esperto. Dei uma olhadinha (só uma olhadinha) no banco de palavras escritas de cabeça para baixo no pé da Cruzada. Não ajudou em nada, e me deixou ainda com a impressão de ter tentado colar na prova, de um cara mais burro que eu. Os vazios continuavam nos quadradinhos e na minha cabeça.

Duas e vinte e cinco. Levantei-me da cadeira novamente e fui até o fundo da casa, respirar um pouco do ar da madrugada. Senti o ar fresco nos pulmões. A brisa gelada na cabeça trouxe junto a palavra “alvissareira” (de “alvíssaras meu capitão”, palavras que teriam sido ditas pelo grumete da nau de Cabral) que poderia servir para “Que fornece esperanças” dos quadrinhos vazios.

Voltei logo ao jornal. Não servia, mas essa palavra irrigou meu cérebro e logo veio a palavra certa, Prometedora, com as letras para completar aqueles vazios. 
A letra “d” de Prometedora, ajudou-me a resgatar a palavra “Dantesca” para o significado de “terror grandioso” (lembrando do “Inferno de Dante”). O “s” de “Dantesco” completou a terminação “s e r o”, que logo sugeriu para mim a palavra “Mísero”, para o significado de “Lastimável”.

Duas e meia. Meia hora para executar uma Cruzada e a satisfação de não ter que ver o resultado no jornal do dia seguinte.

Fazia tempo que não relia as palavras da Cruzada executada que havia tomado mais tempo para serem encontradas. Reli. Fazia tempo que não deixava de ler a crônica da Rachel de Queiroz. Não li.

Lastimável.


JOSÉ NAGADO – 20/06/01

CRO 14 - CÃO DE ESTIMAÇÃO




CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO

"CÃO DE ESTIMAÇÃO”  integra a coletânea (CRÔNICAS 2001)  publicada no blog Confrarias do Riso.  A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog. 





CRÔNICA 14 - CÃO DE ESTIMAÇÃO (08.05.01)

https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cro-14-cao-de-estimacao.html

Próximo a um açougue, dois belos cães gerados certamente por uma mesma cadela de raça, disputada por machos das ruas durante uma distração do seu dono, roíam diligentemente ossos doados pelo açougueiro. As pessoas respeitavam os dois cães, evitando passar próximo deles. Eu já havia visto os dois cães dentro de uma pequena loja de materiais de construção a poucos metros dali. Saudáveis, seguros de si, eles tinham porte e realmente pareciam serem pouco amistosos como convém a cães de guarda, se esta fosse a função deles.

Imaginei-os quando pequenos, mamando nas tetas da mãe. Dóceis criaturas devem ter feito a alegria de uma criança ou de várias, pelo menos durante aquela fase em que os filhotes de cães são tão carentes de afeição e brincadeiras quanto seus donos. Cresceram juntos, bem alimentados, educados para serem fiéis aos seus donos, que também ensinaram bons hábitos de higiene e comportamento.

Lembrei-me do cãozinho que um dia meu filho mais velho trouxe para casa, desmamado com alguns dias de vida, filhote mais bonito (segundo o meu filho) de uma ninhada que um amigo dele lhe ofereceu. Não sei como foi a escolha, mas acredito que tenha sido aquele que se mostrava o mais esperto dessa ninhada. Eu já sabia que era um filhote de vira lata tanto do lado materno como do paterno.

É claro que sua vinda teve meu consentimento, com a promessa dos meus filhos, de que só eles teriam que cuidar do cãozinho. Nunca imaginei que meus filhos já soubessem tanto de como cuidar de um cachorrinho. Sabiam como dar o leite e depois, que ração teriam que dar, dos banhos e material que deveriam usar, como ensinar boas maneiras ao cãozinho, das vacinas, dos brinquedos e até onde iria dormir o novo reizinho da casa.

Nunca gostei de bichinho de estimação em casa devido a sensação de perda que as crianças sentem, e nós também, quando morre ou por algum motivo temos que nos separar dele. Gostar de animais, cuidar, ser companheiro deles e sentir essa sensação de perda, dizem os psicólogos, faz parte do aprendizado das crianças para as coisas da vida.

Foi assim com os peixinhos de aquário, que tinham a companhia de uma tartaruguinha verde. Acabou ficando só um, dispensado quando o aquário quebrou. Houve a época de um canarinho que cantava bonito o dia todo, até que passou a ficar a maior parte do tempo calado, triste. Disseram que precisava companhia para voltar a cantar. Foi levado para a gaiola de um outro canarinho, que descobriu o verdadeiro motivo da sua tristeza. Era fêmea e queria acasalar. Pelo que soubemos, teve pelo menos uma ninhada com seu feliz companheiro. Em seguida, foi a vez de um Hamster, um roedorzinho voraz que comia o dia todo, inclusive durante a noite, e gastava suas energias na gaiolinha giratória. Quando fugia, a casa virava um rebuliço. As crianças (meus filhos) procuravam o bichinho por toda a casa, em baixo dos móveis, geladeira, fogão, das camas, nos guarda roupas até o encontrarem. Assim que era visto, cercado, o esperto bichinho conseguia fugir e nova caçada começava. O final, como sempre, era o bichinho na sua gaiola e as crianças animadas a contar as peripécias de cada um.

Fora esses bichinhos, só houve a tentativa de criar formigas e aranhas do meu filho mais velho. De resto, as crianças nunca gostaram de gato e quanto a cachorro, embora todos gostassem, sempre foi bem explicado que não haveria espaço para criar um dentro de casa, e ponto final. 

Ponto final, até que veio o Snarf, aquele cãozinho que chegou em casa linhas acima. O nome foi dado pelo meu filho mais novo. Não sei de onde veio esse nome. Deu muitas alegrias às crianças, momentos ternos de verdade. Cresceu pouco. Ficou adulto e não aprendeu nada de higiene que as crianças tentaram em vão ensinar. Faz sujeira em todo lugar. Vivia livre na parte térrea da casa e acabou aprendendo a pular um muro de quase dois metros de altura. Na rua, promovia estripulias e pregava sustos (só susto, nunca mordeu ninguém) nas crianças pequenas, até que alguém vinha pedir para pegar o safado. Foi condenado a viver na casinha colocada sobre a laje da área de serviço. Lá aprendeu a se desvencilhar da corrente e fugir para a rua. Cercas de arame foram colocadas para aumentar a altura do muro para impedir sua fuga. Quando foge, desce para o térreo e faz sujeira por onde anda.  Já tentei arranjar alguém para ficar com ele. Não seria honesto da minha parte, mas as crianças (meus filhos já estão bastante crescidinhos) já não têm tempo para cuidar dele.

Não foi castrado e deve ter ainda seus momentos de frustração quando alguém o leva para passear, ao ver alguma cadelinha no cio. “Nunca deu uma trepadinha aí fora” disse um dia um dos meus filhos. Não gostaria de vê-lo envelhecer e ficar doente até um dia morrer, ou ser levado pelo veterinário que lhe daria uma injeção fatal e o encaminharia para...Para onde? Nunca soube o que faria com um cão de estimação que morresse em casa. Não tenho um jardim onde poderia enterrá-lo decentemente, como fez o avô de um amigo de infância, que deu um túmulo de verdade ao cão que lhe acompanhou em quase toda a sua velhice.


José Nagado – 08/05/01



terça-feira, 22 de agosto de 2017

CRÔNICA 07 - CÓDIGO DE COMPORTAMENTO



CRO 07 - CÓDIGO DE COMPORTAMENTO


Observação

CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO


“Código de Comportamento” encerra a coletânea (CRÔNICAS 2001)  publicada no blog Confrarias do Riso.  A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog. 



CÓDIGO DE COMPORTAMENTO - josé nagado 
https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cro-07-codigo-de-comportamento.html

Final de campeonato. Aos trinta e cinco minutos do segundo tempo, o pênalti, insofismável, foi assinalado pelo juiz. O time beneficiado estava a merecer o gol, que finalmente lhe daria o tão sonhado título. O batedor do time se apresenta e o juiz solenemente coloca a bola na marca do pênalti, ordenando para que os demais jogadores saiam da grande área. Silêncio no estádio.

A cena não era tão incomum no futebol. Os dois times tinham chegado com méritos à final daquele campeonato e eram times que vinham dividindo entre si quase todos os títulos que disputavam. Suas torcidas, é claro, queriam levar mais esse título. Nada demais estaria ocorrendo no fato de um campeonato de futebol ser definido através de um pênalti. Será?

O futebol é apaixonante. Mesmo que seu time não esteja participando da partida de decisão do campeonato, você acaba torcendo por um dos times.Ou melhor, torcendo contra um dos times. Você torce contra o time que eliminou o seu da decisão. Você torce contra o time do seu colega de trabalho, para poder gozar dele no dia seguinte. Você torce contra o time cuja torcida você detesta. Você está com bronca do time que tentou humilhar o seu durante o campeonato. O verdadeiro amante do futebol sempre torce. Mesmo que seja contra.

O batedor se aproximou da marca do pênalti, e, como um ator que entendia perfeitamente o script, ajoelhou-se, apanhou a bola com as duas mãos e deu-lhe um beijo. Em seguida, levantou a bola acima da cabeça e fez o agradecimento antecipado por aquela epifânia, o gol. Ele seria apenas o instrumento da vontade Divina. Ajeitou com carinho a bola na marca do pênalti e se afastou uns dez passos, lentamente, olhando para a bola.

A torcida já sabia de cor o final desse script. O chute certeiro e o goleiro pateticamente tentando interceptar a bola. Depois, a corrida agitada, girando ambos os braços impedindo que seus companheiros chegassem para abraçá-lo. Na frente da sua platéia enlouquecida, finalmente, cairia de joelhos, carismático, agradecendo aos céus.

Muitos outros jogadores de futebol já faziam essa encenação, mostrando por baixo da camisa do clube, uma camiseta com a inscrição “Atleta de Cristo”.

A mim sempre me pareceu haver pouca humildade no agradecimento e falta de convicção na devoção que esses jogadores queriam transmitir ao público. Também aquele batedor do pênalti nunca me convenceu, desde que começou a fazer esse tipo de encenação.

O batedor estava só esperando o apito do juiz, autorizando a cobrança do pênalti, que para muitos sociólogos nos velhos tempos do futebol, deveria ser ato do presidente do clube, e não de um mero jogador, funcionário do clube em ultima análise. O jogador de futebol não era tão valorizado quanto hoje. Um jogador consagrado, atualmente, ganha muito dinheiro e não esquenta a cabeça se perder um pênalti.  Se a torcida não o quiser mais, tranqüilamente irá arranjar outro clube para ganhar mais dinheiro.

Tudo pronto para a cobrança do pênalti. O que se passaria na cabeça do batedor? Teria esquecido que a torcida já não creditava ao seu comportamento, tanto na sua vida particular como dentro do gramado as virtudes próprias de “um atleta de Cristo”?

O futebol de outras épocas, sempre teve seus ídolos e vilões dentro do gramado. Víamos os jogadores fazerem discretamente seu sinal de pedido de proteção ao entrar no campo, e lá, decidiam tudo na bola. O vilão sabia que era faltoso e que a torcida o respeitava, e o ídolo sabia que merecia o lugar no coração de todas as torcidas. No campo, ninguém podia fazer concessões e sair delas intacto, sem arranhar sua integridade.  

Finalmente, o apito. 

A bola é chutada para fora.

Fora as comemorações da torcida favorecida e da agonia da outra torcida, naquele jogo, sem gols, um fato teria de marcar para sempre o jogador que perdeu o pênalti. Não por ter deixado de marcar o gol, mas pelo código de comportamento que violou até então, contrariando princípios éticos e preceitos religiosos. Muitos torcedores de outros times e do seu próprio time, já torciam para não ter que ver aquela demonstração de hipocrisia.

Passados vários meses desse episódio, muitos jogos sem vencer e poucos jogos satisfatórios, mais desacreditado que nunca, o time tem demonstrado que seus jogadores estão abatidos moralmente após o período de sucesso atribuído a valores nefastos baseados na recompensa imediata que um de seus companheiros atribuía a forças extraterrenas, e não aos seus esforços dentro do campo. E o pior, esse jogador faturava em cima dessa alegoria toda. Um esperto e dez trouxas.

O time está tentando esquecer de tudo, mas precisa rever seus valores para aplicar o poder da vontade e da garra, aqueles valores honestos e esquecidos que eram perseguidos por um time que nunca pretendia enganar a ninguém. Nem uma torcida fanática como a do Corinthians.

Antes de terminar, devo dizer que não sou corintiano. 

JN – 26/02/01






domingo, 13 de agosto de 2017

CRÔNICA 020 - A BALANÇA DA FARMACIA



CRÔNICA 020 - 

Encontrei uma cópia desta crônica perdida entre os meus guardados e resolvi juntá-la às outras crônicas escritas no início dos anos 2000 e já publicadas neste blog. 





 A BALANÇA DA FARMÁCIA (José Nagado)

https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cronica-020-balanca-da-farmacia.html

Uma placa pendurada na balança dizia que ela estava quebrada e o proprietário da farmácia pedia desculpas pelo inconveniente: “Agradecemos a preferência”, concluía a placa.
Antigamente todas as farmácias tinham sua balança na entrada. Era ponto de honra a farmácia ter sua balança, a ponto de justificar aquele aviso.
Lembrei-me desse fato, ocorrido há muitos anos na cidadezinha onde morei, que tinha apenas mais uma outra farmácia, com a sua balança, é claro!
Se alguém entrava numa farmácia para comprar remédios, um xarope, medir a pressão, tomar uma injeção, solicitar ao farmacêutico para aviar uma receita infalível do médico da família, fazer um curativo ou ser atendido em pequenas emergências, nunca deixava de subir na balança e dar uma olhada no peso. Às vezes entrava na farmácia só para ver o peso.
Nessa balança já quebrada, porém ainda sem o aviso colocado, subiu um rapaz alto, magricela, rosto virado para o alto e com a mão na garganta, reclamando muito de uma espinha de peixe que lhe incomodava. Foi engraçado vê-lo ainda com o rosto virado para o alto e forçando o mais que podia seus olhos para baixo, tentando olhar o ponteiro da balança. Dava leves pulos na balança para ver se o ponteiro aparecia ao nível dos seus olhos, quando o farmacêutico apareceu e lhe disse: “A espinha não vai descer desse jeito. Vamos dar uma olhada lá dentro.” Tinha gente que nunca deixava de querer ver o peso...
Na barbearia do Joca, no dia seguinte à colocação da citada placa, além das conversas sobre política, último jogo de futebol pelo campeonato da região ou a prisão do pau d’água que estava caído na calçada na noite de sexta-feira passada, o assunto mais comentado passou a ser a balança.
Otávio, o aprendiz de farmacêutico da farmácia da balança quebrada, era exímio em pequenos curativos, atender alguns tipos de emergências e também conhecido pela sua habilidade em aplicar injeções. Os fregueses diziam que não mudariam para a outra farmácia por causa do Otávio, apesar da balança quebrada.
Do final da história, fiquei sabendo na barbearia do Joca, que a outra farmácia passou a ter uma freguesia muito maior porque a balança da primeira farmácia nunca foi consertada.
Preocupado em controlar meu peso, recentemente fui procurar uma balança nas farmácias do meu bairro em São Paulo. Passei em quatro e nenhuma delas tinha tal equipamento. Uma delas tinha um equipamento mais sofisticado que podia fornecer, além do peso, a pressão e a altura, registrada em fita de papel, em troca de um real.
Tirei meu peso e fiquei preocupado com a pressão arterial, embora não estivesse crítica. Só queria uma simples balança de farmácia para ver meu peso.
Voltando para casa, lembrei-me da história contada no início. Também ia a  uma farmácia perto de casa que tinha balança na porta, cuja proprietária do negócio era uma senhora farmacêutica. Sempre que uma gripe me pegava de jeito eu ia até lá, para tomar injeção. Aquela injeção preparada na farmácia que só Deus sabe o que era. Funcionava. Aproveitava para pesar na balança. Outras vezes passava lá só para ver meu peso.
Um dia essa farmácia mudou de dono, mantendo a balança e a mim como seu freguês, menos para tomar injeção. Na última vez que estive lá, havia um pequeno balcão onde existia a balança.
Com o passar dos anos, quase todas as farmácias foram tirando suas balanças e colocando no seu espaço, prateleira com produtos em oferta, colocando aquele velha hábito de ver o peso na prateleira do esquecimento.
Já não me lembro quanto tempo faz que esqueci o hábito de me pesar, mas sempre que me deparo com uma balança de farmácia, não deixo de me pesar.
Coisa tão inusitada atualmente, uma balança de farmácia, que às vezes só a notamos porque alguém a descobriu antes e está vendo seu peso. Até  uma pequena fila de gente chega a se formar, indicando que se o hábito de ver o peso em balança de farmácia foi esquecido, por outro lado existe a favor do retorno desse hábito, um grande apelo da mídia para que as pessoas cuidem do seu perfil, controlem seu peso.
Parece que as farmácias, ou cadeias de farmácias (e drogarias) já estão percebendo isto, e começaram a disponibilizar equipamentos para ver o peso e medir a pressão arterial em seus estabelecimentos. Tenho visto num número maior de farmácias com balança.


Jn-04.01.01