Cassio Carvalheiro

sábado, 26 de agosto de 2017

CRO 14 - CÃO DE ESTIMAÇÃO




CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO

"CÃO DE ESTIMAÇÃO”  integra a coletânea (CRÔNICAS 2001)  publicada no blog Confrarias do Riso.  A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog. 





CRÔNICA 14 - CÃO DE ESTIMAÇÃO (08.05.01)

https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cro-14-cao-de-estimacao.html

Próximo a um açougue, dois belos cães gerados certamente por uma mesma cadela de raça, disputada por machos das ruas durante uma distração do seu dono, roíam diligentemente ossos doados pelo açougueiro. As pessoas respeitavam os dois cães, evitando passar próximo deles. Eu já havia visto os dois cães dentro de uma pequena loja de materiais de construção a poucos metros dali. Saudáveis, seguros de si, eles tinham porte e realmente pareciam serem pouco amistosos como convém a cães de guarda, se esta fosse a função deles.

Imaginei-os quando pequenos, mamando nas tetas da mãe. Dóceis criaturas devem ter feito a alegria de uma criança ou de várias, pelo menos durante aquela fase em que os filhotes de cães são tão carentes de afeição e brincadeiras quanto seus donos. Cresceram juntos, bem alimentados, educados para serem fiéis aos seus donos, que também ensinaram bons hábitos de higiene e comportamento.

Lembrei-me do cãozinho que um dia meu filho mais velho trouxe para casa, desmamado com alguns dias de vida, filhote mais bonito (segundo o meu filho) de uma ninhada que um amigo dele lhe ofereceu. Não sei como foi a escolha, mas acredito que tenha sido aquele que se mostrava o mais esperto dessa ninhada. Eu já sabia que era um filhote de vira lata tanto do lado materno como do paterno.

É claro que sua vinda teve meu consentimento, com a promessa dos meus filhos, de que só eles teriam que cuidar do cãozinho. Nunca imaginei que meus filhos já soubessem tanto de como cuidar de um cachorrinho. Sabiam como dar o leite e depois, que ração teriam que dar, dos banhos e material que deveriam usar, como ensinar boas maneiras ao cãozinho, das vacinas, dos brinquedos e até onde iria dormir o novo reizinho da casa.

Nunca gostei de bichinho de estimação em casa devido a sensação de perda que as crianças sentem, e nós também, quando morre ou por algum motivo temos que nos separar dele. Gostar de animais, cuidar, ser companheiro deles e sentir essa sensação de perda, dizem os psicólogos, faz parte do aprendizado das crianças para as coisas da vida.

Foi assim com os peixinhos de aquário, que tinham a companhia de uma tartaruguinha verde. Acabou ficando só um, dispensado quando o aquário quebrou. Houve a época de um canarinho que cantava bonito o dia todo, até que passou a ficar a maior parte do tempo calado, triste. Disseram que precisava companhia para voltar a cantar. Foi levado para a gaiola de um outro canarinho, que descobriu o verdadeiro motivo da sua tristeza. Era fêmea e queria acasalar. Pelo que soubemos, teve pelo menos uma ninhada com seu feliz companheiro. Em seguida, foi a vez de um Hamster, um roedorzinho voraz que comia o dia todo, inclusive durante a noite, e gastava suas energias na gaiolinha giratória. Quando fugia, a casa virava um rebuliço. As crianças (meus filhos) procuravam o bichinho por toda a casa, em baixo dos móveis, geladeira, fogão, das camas, nos guarda roupas até o encontrarem. Assim que era visto, cercado, o esperto bichinho conseguia fugir e nova caçada começava. O final, como sempre, era o bichinho na sua gaiola e as crianças animadas a contar as peripécias de cada um.

Fora esses bichinhos, só houve a tentativa de criar formigas e aranhas do meu filho mais velho. De resto, as crianças nunca gostaram de gato e quanto a cachorro, embora todos gostassem, sempre foi bem explicado que não haveria espaço para criar um dentro de casa, e ponto final. 

Ponto final, até que veio o Snarf, aquele cãozinho que chegou em casa linhas acima. O nome foi dado pelo meu filho mais novo. Não sei de onde veio esse nome. Deu muitas alegrias às crianças, momentos ternos de verdade. Cresceu pouco. Ficou adulto e não aprendeu nada de higiene que as crianças tentaram em vão ensinar. Faz sujeira em todo lugar. Vivia livre na parte térrea da casa e acabou aprendendo a pular um muro de quase dois metros de altura. Na rua, promovia estripulias e pregava sustos (só susto, nunca mordeu ninguém) nas crianças pequenas, até que alguém vinha pedir para pegar o safado. Foi condenado a viver na casinha colocada sobre a laje da área de serviço. Lá aprendeu a se desvencilhar da corrente e fugir para a rua. Cercas de arame foram colocadas para aumentar a altura do muro para impedir sua fuga. Quando foge, desce para o térreo e faz sujeira por onde anda.  Já tentei arranjar alguém para ficar com ele. Não seria honesto da minha parte, mas as crianças (meus filhos já estão bastante crescidinhos) já não têm tempo para cuidar dele.

Não foi castrado e deve ter ainda seus momentos de frustração quando alguém o leva para passear, ao ver alguma cadelinha no cio. “Nunca deu uma trepadinha aí fora” disse um dia um dos meus filhos. Não gostaria de vê-lo envelhecer e ficar doente até um dia morrer, ou ser levado pelo veterinário que lhe daria uma injeção fatal e o encaminharia para...Para onde? Nunca soube o que faria com um cão de estimação que morresse em casa. Não tenho um jardim onde poderia enterrá-lo decentemente, como fez o avô de um amigo de infância, que deu um túmulo de verdade ao cão que lhe acompanhou em quase toda a sua velhice.


José Nagado – 08/05/01



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