CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO
"CÃO DE ESTIMAÇÃO” integra a coletânea (CRÔNICAS 2001) publicada no blog Confrarias do Riso. A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog.
"CÃO DE ESTIMAÇÃO” integra a coletânea (CRÔNICAS 2001) publicada no blog Confrarias do Riso. A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog.
CRÔNICA 14 - CÃO DE ESTIMAÇÃO (08.05.01)
https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cro-14-cao-de-estimacao.html
Próximo a um
açougue, dois belos cães gerados certamente por uma mesma cadela de raça,
disputada por machos das ruas durante uma distração do seu dono, roíam
diligentemente ossos doados pelo açougueiro. As pessoas respeitavam os dois
cães, evitando passar próximo deles. Eu já havia visto os dois cães dentro de
uma pequena loja de materiais de construção a poucos metros dali. Saudáveis,
seguros de si, eles tinham porte e realmente pareciam serem pouco amistosos
como convém a cães de
guarda, se esta fosse a função deles.
Imaginei-os quando
pequenos, mamando nas tetas da mãe. Dóceis criaturas devem ter feito a alegria
de uma criança ou de várias, pelo menos durante aquela fase em que os filhotes
de cães são tão carentes de afeição e brincadeiras quanto seus donos. Cresceram
juntos, bem alimentados, educados para serem fiéis aos seus donos, que também
ensinaram bons hábitos de higiene e comportamento.
Lembrei-me do
cãozinho que um dia meu filho mais velho trouxe para casa, desmamado com alguns
dias de vida, filhote mais bonito (segundo o meu filho) de uma ninhada que um
amigo dele lhe ofereceu. Não sei como foi a escolha, mas acredito que tenha
sido aquele que se mostrava o mais esperto dessa ninhada. Eu já sabia que era
um filhote de vira lata tanto do lado materno como do paterno.
É claro que sua
vinda teve meu consentimento, com a promessa dos meus filhos, de que só eles
teriam que cuidar do cãozinho. Nunca imaginei que meus filhos já soubessem
tanto de como cuidar de um cachorrinho. Sabiam como dar o leite e depois, que
ração teriam que dar, dos banhos e material que deveriam usar, como ensinar
boas maneiras ao cãozinho, das vacinas, dos brinquedos e até onde iria dormir o
novo reizinho da casa.
Nunca gostei de
bichinho de estimação em casa devido a sensação de perda que as crianças
sentem, e nós também, quando morre ou por algum motivo temos que nos separar
dele. Gostar de animais, cuidar, ser companheiro deles e sentir essa sensação
de perda, dizem os psicólogos, faz parte do aprendizado das crianças para as
coisas da vida.
Foi assim com os
peixinhos de aquário, que tinham a companhia de uma tartaruguinha verde. Acabou
ficando só um, dispensado quando o aquário quebrou. Houve a época de um
canarinho que cantava bonito o dia todo, até que passou a ficar a maior parte
do tempo calado, triste. Disseram que precisava companhia para voltar a cantar.
Foi levado para a gaiola de um outro canarinho, que descobriu o verdadeiro
motivo da sua tristeza. Era fêmea e queria acasalar. Pelo que soubemos, teve
pelo menos uma ninhada com seu feliz companheiro. Em seguida, foi a vez de um
Hamster, um roedorzinho voraz que comia o dia todo, inclusive durante a noite,
e gastava suas energias na gaiolinha giratória. Quando fugia, a casa virava um
rebuliço. As crianças (meus filhos) procuravam o bichinho por toda a casa, em
baixo dos móveis, geladeira, fogão, das camas, nos guarda roupas até o
encontrarem. Assim que era visto, cercado, o esperto bichinho conseguia fugir e
nova caçada começava. O final, como sempre, era o bichinho na sua gaiola e as
crianças animadas a contar as peripécias de cada um.
Fora esses
bichinhos, só houve a tentativa de criar formigas e aranhas do meu filho mais
velho. De resto, as crianças nunca gostaram de gato e quanto a cachorro, embora
todos gostassem, sempre foi bem explicado que não haveria espaço para criar um
dentro de casa, e ponto final.
Ponto final, até
que veio o Snarf, aquele cãozinho que chegou em casa linhas acima. O nome foi
dado pelo meu filho mais novo. Não sei de onde veio esse nome. Deu muitas
alegrias às crianças, momentos ternos de verdade. Cresceu pouco. Ficou adulto e
não aprendeu nada de higiene que as crianças tentaram em vão ensinar. Faz
sujeira em todo lugar. Vivia livre na parte térrea da casa e acabou aprendendo
a pular um muro de quase dois metros de altura. Na rua, promovia estripulias e
pregava sustos (só susto, nunca mordeu ninguém) nas crianças pequenas, até que
alguém vinha pedir para pegar o safado. Foi condenado a viver na casinha
colocada sobre a laje da área de serviço. Lá aprendeu a se desvencilhar da
corrente e fugir para a rua. Cercas de arame foram colocadas para aumentar a
altura do muro para impedir sua fuga. Quando foge, desce para o térreo e faz
sujeira por onde anda. Já tentei
arranjar alguém para ficar com ele. Não seria honesto da minha parte, mas as
crianças (meus filhos já estão bastante crescidinhos) já não têm tempo para
cuidar dele.
Não foi castrado e
deve ter ainda seus momentos de frustração quando alguém o leva para passear,
ao ver alguma cadelinha no cio. “Nunca deu uma trepadinha aí fora” disse um dia um
dos meus filhos. Não gostaria de vê-lo envelhecer e ficar doente até um dia
morrer, ou ser levado pelo veterinário que lhe daria uma injeção fatal e o
encaminharia para...Para onde? Nunca soube o que faria com um cão de estimação
que morresse em casa. Não tenho um jardim onde poderia enterrá-lo decentemente,
como fez o avô de um amigo de infância, que deu um túmulo de verdade ao cão que
lhe acompanhou em quase toda a sua velhice.
José Nagado – 08/05/01
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