Cassio Carvalheiro

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

CRONICA – Haicais (JOSE NAGADO – 21/06/01)


CRÔNICA – Haicais (jn 21.06.2001)

“Haicais e o Burlesco” (link:  http://licburlesco.blogspot.com/2012/07/haicais-e-o-burlesco-introducao.html), postado no blog Confrarias do Riso, em 19.07.2012, evidenciou um público interessado no haicai e um estímulo para publicarmos a coletânea “Quadros & Haicais".

Esta crônica, "Haicais", inédita (retardatária) no blog Confrarias do Riso, revela a aproximação entre os meus quadros pintados no início dos anos 2000 e o haicai que conheci nos trabalhos do Millôr Fernandes, na revista O Cruzeiro, na década de 1950.

CRÔNICA - HAICAIS
http://licburlesco.blogspot.com/2017/02/cronica-haicais-jose-nagado-210601.html
Gostava muito dos Hai-Kais que o Millor Fernandes publicava na extinta revista semanal “O CRUZEIRO”, nos idos de 1957.  De estrutura simples e curta, seus temas eram um registro imagístico de cenas ou coisas (palavras, idéias, objetos vivos e inanimados, enfim qualquer coisa) explorados sempre de forma criativa, acompanhados de ilustrações ligeiras associadas diretamente ao tema.

No início do ano passado (2000) tomei algumas fotos e quadros produzidos por mim, para servirem de temas para os meus primeiros exercícios de composição de Haicais. Queria aprender a fazer Haicais. Sem métrica ou rima, essas composições tinham apenas os três versos dos Haicais que acostumara a ver naquela revista.

A igreja de uma pequena cidade do interior foi o tema de um desses primeiros Haicais:

A IGREJA DOS HOMENS
APONTA PARA O CÉU
A CRUZ DA SUA FÉ.

No segundo semestre do ano passado (2000), numa dessas modernas lojas de Conveniência agregadas a postos de gasolina, encontrei um livro de bolso, cujo título logo me chamou a atenção. Adivinhou: HAI-KAIS. O autor? O próprio. Millôr Fernandes. (Coleção L&PM Pocket volume 27 – 1999). Foi nesse livro de bolso que vi, pela primeira vez, informações e prescrições básicas do Haicai, que achei interessante inserir nesta crônica.

Na “pequena introdução para os não iniciados” em Hai-Kus ou Hokkus, para os japoneses ou Hai-Kai, escrito com K, grafia preferida e utilizada por Millor, rapidamente ficamos conhecendo as principais características dessa forma de poesia simbolista originária no Japão, da época da sua popularização (século XVII), seus temas e composição. “O Hai-Kai é um pequeno poema japonês composto de três versos, dois de cinco e um – o segundo – de sete. No original não tem rima, que geralmente lhe é acrescentada nas traduções ocidentais”. (sic)

Nessa introdução, Millôr apresenta, como exemplo, a tradução de um Haicai do século XVII (possivelmente):

EM CIMA DA NEVE
O CORVO ESTA MANHÃ
POUSOU BEM DE LEVE.

Pesquisando no “Aurélio” encontrei as grafias “haicai” e “haicu” e as correspondentes grafias com K., não registrando “hokku”. Curiosidade apenas. “É o haicai japonês, pequeno poema de três versos, de cinco, sete e cinco pés métricos, respectivamente, que resumem uma impressão, um conceito, um drama, um poema, às vezes deliciosamente, não raro profundamente”. (sic)

Millôr diz, ainda, que o seu interesse pelo Kai-Kai, “como forma de expressão direta e econômica” começou em 1957 quando escrevia uma seção de humor (Pif-Paf) na revista O Cruzeiro. Seus Hai-Kais conservam os três versos da forma original, não havendo a preocupação com o número de sílabas.

Um Haicai (acho que vi também na extinta revista “O CRUZEIRO”) mostra essa forma nas composições do Millôr em seu livro:

DIZ PENSAR LIVRE PENSAR.
LIVRE PENSAR
É SÓ PENSAR.

Após conhecer a forma dos Hai-Kais do Millôr resolvi pesquisar uma forma definida para os meus versos.    Nessa pesquisa, descobri que o Haicai pode ser definido como um terceto de uma estrofe heterométrica com versos de cinco, sete e cinco pés métricos (sílabas). Quanto à rima, parece ser mais agradável a rima cruzada (no caso, entre o primeiro e o terceiro verso), também observada nos Hai-Kais do Millôr e nas traduções de Haicais de origem japonesa. A questão do ritmo é muito complicada, parecendo que a liberdade de um ritmo variável é a melhor escolha. Em alguns Haicais o ritmo lógico (definido pela pontuação) é a melhor solução. Em outros, o ritmo melódico (determinado pelas pausas ocorridas após as sílabas tônicas) torna um Haicai mais agradável aos ouvidos.

Quando comecei a escrever meus Haicais e a divulgá-los entre amigos e parentes, descobri que as pessoas necessitavam de uma aproximação maior ao tema apresentado por um determinado Haicai. Parece que ilustrar o Haicai como faz o Millôr, é a forma ideal de fazer a aproximação necessária do leitor ao tema, já que não poderemos estar junto ao leitor para fazê-lo pessoalmente.

Um Haicai de minha autoria, sugere essa aproximação através de uma lápide no cemitério, com a gravação de um ponto (ponto final) dentro de um círculo. O Haicai:

EXISTENCIAL,
PURA FRASE LAPIDAR:
UM PONTO FINAL.                                    .

Até recentemente, achava que eu (e o Millôr) era a única pessoa a se interessar por Haicais. Não conhecia nenhum apreciador desse tipo de poesia. Após algum tempo, descobri amigos que gostaram dos meus Haicais e pessoas que conhecem grupos de criadores de Haicais, principalmente gente mais velha da colônia japonesa.

Encerrando esta crônica, que mais parece uma introdução conceitual ao Haicai (que assim seja, então), deixo registrado a seguir, mais um dos meus primeiros cento e cinqüenta Haicais, sintetizando sua forma.

(Haicai)

POEMETO LEVE,
MERGULHA FUNDO NO TEMA,
E RETORNA BREVE.

JOSE NAGADO – 21/06/01


sábado, 11 de fevereiro de 2017

TRIBUTO AO NEVES 05.07 - Crônicas de José Nagado (2)



TAN 05 – NEVES E O BLOG CONFRARIAS DO RISO

TAN 05.07 - Crônicas de José Nagado (2)


Em “O Cronista nosso de cada dia”, postada no blog em 2014, (http://licburlesco.blogspot.com/2014/01/cronica-o-cronista-nosso-de-cada-dia.html), revelo meu gosto    pela Crônica e minha admiração pelos cronistas do jornal O Estado de São Paulo, como o Daniel Pizza e muitos outros.

Postei quinze crônicas de minha autoria no Blog Confrarias do Riso. Em relação às crônicas “Mr. Street” e “Defenestrados”, citadas neste Tributo, o Neves compartilha uma amigável “recomendação do texto” com uma sutil indicação do conteúdo.


  

Crônica: MR. STREET (no blog em 14.05.2014)

http://licburlesco.blogspot.com/2014/05/cronica-anacronica-mr-street-24012001.html

Date: Sun, 25 May 2014 06:28:17 -0700
From: jcneves45@yahoo.com.br
Subject: Mr. Street
To: j_nagado@hotmail.com; jaymerosa@terra.com.br; nicanor@freitasnet.com
Nagado

Ausente há umas semanas das visitas a seu blog, hoje finalmente achei um tempo para passar por lá.
E não é que me esperava uma deliciosa crônica com sotaque britânico!? E você demorou 13 anos para divulgá-la? É o tipo de reminiscência que eu gostaria de também escrever - e eu teria muitas do tipo - mas a memória já não me ajuda a escrevê-las com a fidelidade e realismo dos fatos. Então, vou deixando...

Abraço

Neves - 25/05/14



Crônicas de José Nagado (2)

DEFENESTRADOS (no blog em 25.02.2015)

A expectativa do Impeachment da Presidente Dilma (2016) motivou a postagem desta crônica que relembra o impeachment do Presidente Collor (1992) e a posse do vice-presidente José Sarney.

De: José Nagado <j_nagado@hotmail.com>
Para:
Enviadas: Domingo, 1 de Março de 2015 0:09
Assunto: FW: IMPEACHMENT!
O brasileiro é um povo com os pés no chão. E as mãos também.  (Ivan Lessa)
Caros amigos, vejam a crônica que escrevi em março de 2001.

DEFENESTRADOS

abr./ josé nagado

Re: IMPEACHMENT!
jose neves
Para: José Nagado

Nagado

A sua "Defenestrados" não é uma crônica, e sim um ensaio da História recente. Hoje já sabemos que os acontecimentos não tiveram um final tão feliz, quanto era o seu e o nosso desejo daquela época. Infelizmente, as Fenixes políticas continuam renascendo por todos os cantos, a mostrar um poder de sobrevida que escapa ao bom senso de uma nação. Eu tenho consciência de que algo precisa ser feito, mas não sei se o Impeachment será o caminho certo. Afinal, tirado o PT, fica o PMDB, sócio maior no fisiologismo do atual governo. Sai a abelha rainha, mas seguem os zangões. Por outro lado, para quaisquer alternativas que não as democráticas, sinto urticária só em pensar nelas. Não estou no muro; estou num poço de desencanto.

Abraços

Neves - 01/03/15



(Tributo ao Neves continua)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

TRIBUTO AO NEVES - O5.07 CRÔNICAS DE JOSÉ NAGADO - 01




TAN 05 – NEVES E O BLOG CONFRARIAS DO RISO

TAN O5.07 CRÔNICAS DE JOSÉ NAGADO - 01
http://licburlesco.blogspot.com/2017/02/tributo-ao-neves-o507-cronicas-de-jose.html

TAN 05.07.01   - Crônicas

Fotos de São Paulo (1)

Fotos de São Paulo (2)

Ver links:
http://licburlesco.blogspot.com/2014/01/cronica-fotos-de-sao-paulo-2001.html
http://licburlesco.blogspot.com/2017/02/cronica-fotos-de-sao-paulo-2.html


Em 2013 divulguei através de e-mail estas velhas crônicas (2001) minhas, postadas também no blog, em homenagem ao aniversário de São Paulo.

PARABÉNS SÃO PAULO !

O amigo Neves, experiente profissional do mundo livreiro, expõe argumentos “ad autoritatem” para desenvolver uma tese distinguindo proposições sociológicas e/ou filosóficas no texto, que jamais teríamos condições de debater. E ele faz isso, com seu humor habitual mas com excessiva benevolência em relação ao autor do texto.
Mais um vez, obrigado, Neves!

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·         Re: AMO SÃO PAULO - CRÔNICAS‏
26/01/2013
Para José Nagado, jaymerosa@terra.com.br, nicanordefreitas@gmail.com, IDIR Martin, Breno Vianna, lidia shiozuka, Luiz Bonadia, Moacyr Kamiya, modestof@usp.br, joseluccas@uol.com.br, Wilson Roberto Gava, leo_vr@terra.com.br, Takawo Tokunaga, Takashi Kinugawa, Milton Teraoka, girlaneoliveira@hotmail.com

Nagado

Sobre as crônicas, título e textos não poderiam representar melhor um ao outro. Não vejo as fotos, mas posso sentir cada intermitência de click e projetá-las na minha mente, ao seguir apenas tua narração. Além disso, quase todas as minhas atividades fora de casa, entre 1965 e 1973, foram vividas nessa zona (oops, digo, região) descrita pela primeira crônica, e frequentei todos os cinemas mencionados nela. Foi um mágico retorno aonde estava a verdadeira pulsação de São Paulo. 

A segunda crônica talvez seja mais importante ainda, pois demonstra o teu esforço em resgatar lugares históricos que a modernidade e as gerações mais jovens tendem a esquecer, ou simplesmente a não dar-lhe a menor importância. A metáfora do teu filho a dizer que o que ele mais gostou no Ipiranga foi o"sorvete e a pipoca" diz tudo.

O Nagado escritor de crônicas e Hai Kais é, definitivamente, de quem mais me aproximo. Talvez porque tenhamos almas iguais, embora de origens tão distantes. Já quanto aos cérebros..., não consigo acompanhar esse que escreve sobre o Burlesco, ainda que eu tente e retente. A tua intelectualidade abusada e abusiva me deixa aparvalhado na interpretação das teorias expostas, e humilha meu pobre cérebro lusitano. Confesso que me sinto mais à vontade ao ler sobre o racionalismo kantiano na "Crítica da Razão Pura". E agora que fizeste uma sociedade no "nexo Berg-Nagado", a soma de ambos na fórmula matemática proposta me parece mais inatingível ainda.

E sobre o "Princípio do Terceiro Excluído"? A teoria de que não há meio termo entre uma "afirmação" e uma "negação" não me parece razoável nem convincente. Eu entendo que haverá sempre um "talvez" que divide equânime e infinitamente as possibilidades alternativas aos que parecem juízos pétreos. Seria como negar ao paciente a possibilidade de um terceiro, ou quarto, ou infinitos juízos sobre a sua doença sobre dois diagnósticos iniciais contrários. Ambos podem estar certos; só um pode estar certo; e ambos podem estar errados, diante de um terceiro ou mais diagnósticos. Enfim, gostaria muito de ler outros comentários sobre os temas do Burlesco para sentir outras percepções. 

Um grande abraço, e um bom fim de semana a ti e aos teus leitores.

Neves - 26/01/13

05.02.2013
Caríssimo Neves
É muito estimulante receber seus comentários que, além da demonstração de amizade e plena   cumplicidade intelectual, procura com um certo véu de humildade, pleitear o acesso de interlocutores para os (herméticos) textos do Burlesco postados no Blog Confrarias do Riso.
Concordo que a complexidade do texto do Burlesco justifica a ausência de interlocutores no Blog, e que as Crônicas e Haicais, por sua simplicidade, recebem mais atenção e comentários dos leitores, mas estes são gêneros apenas eventualmente postados no Blog.
Citando “Crítica da Razão Pura”, o amigo Neves nos lembra que  partilhamos  do mesmo ponto de vista quanto á faculdade de conhecer, o quê nos permite desfrutar do conhecimento empírico (ou a posteriori) e do conhecimento puro (ou a priori),  não como uma vassalagem intelectual como pressupõe seu argumento   (“A tua intelectualidade abusada e abusiva me deixa aparvalhado na interpretação das teorias expostas, e humilha meu pobre cérebro lusitano”) e sim como uma busca pela justificativa racionalista ou empirista da epistemologia, também chamada teoria do conhecimento, ramo da filosofia interessado na investigação da natureza, fontes e validade do conhecimento
Muito a vontade para falar sobre o racionalismo Kantiano, o Neves certamente já percebeu que o  entendimento do Burlesco deve ser procurado através da sua capacidade de julgar , dependente  do chamado senso comum, dote natural que nenhuma escola pode remediar ou para cuja carência dessa capacidade de julgar, denominada de estultícia, não há remédio algum. (abs. Nagado)
(Continua)

nagado

sábado, 4 de fevereiro de 2017

CRÕNICA – FOTOS DE SÃO PAULO – 2 (JN 09.04.2001)




CRÕNICA – FOTOS DE SÃO PAULO – 2


Parabéns São Paulo!

463 anos (1554-2017)

Em 25.01.2014 prestei homenagem à cidade de São Paulo, postando uma crônica que escrevi em 2001, “Fotos de São Paulo”, (link: http://licburlesco.blogspot.com/2014/01/cronica-fotos-de-sao-paulo-2001.html), com o seguinte comentário:

FOTOS DE SÃO PAULO (José Nagado) 

1959 ... vim para São Paulo com treze anos de idade. Cheguei a andar de bonde "camarão"; joguei em campos de futebol de "várzea"; trabalhei como office-boy em escritórios no centro velho; estudei em Colégio do Estado (I.E. Antônio Firmino de Proença); trabalhei em grandes empresas (Banco Moreira Salles, SKF, VASP); vi São Paulo iniciar a construção do seu Metrô; formei-me na Escola de Engenharia Mauá, em 1971; vi grandes mudanças no centro e na periferia... 
Fotografei São Paulo para poder falar um pouco das mudanças que vi e para um dia poder contar para meus filhos e netos.

Esta crônica - Fotos de São Paulo 2, escrita também em 2001, lembra uma época em que se permitia ao cidadão comum acompanhar e vibrar com as mudanças que ocorriam na paisagem desta cidade que tanto amamos.

Parabéns São Paulo!


CRÔNICA - FOTOS DE SÃO PAULO – 2 (J.NAGADO)

 http://licburlesco.blogspot.com/2017/02/cronica-fotos-de-sao-paulo-2.html

Os últimos quarenta anos do século XX mudaram radicalmente a cidade de São Paulo. Os bondes foram retirados das ruas da cidade de São Paulo. Grandes avenidas foram construídas, rasgando a cidade em várias direções, apropriando-se dos vales entre os morros, beira de riachos, alagados e desprezados, marginais dos rios Tietê e Pinheiros. As linhas do metrô furaram as entranhas da cidade, aparecendo na superfície em alguns trechos. Canalizaram-se rios e riachos e construíram-se piscinões para evitar as enchentes.

Muitas áreas vazias foram urbanizadas. A várzea do Campo de Marte, por exemplo, possuía muitos campos de futebol mantidos pela Secretaria de Esportes de São Paulo. Hoje os campos sumiram e deram lugar ao Parque Anhembi que ocupa boa parte daquela área.

Vias construídas são logo ocupadas. O trânsito das estradas de rodagem se funde com trânsito amalucado da cidade. Um grande anel rodoviário está sendo construído num raio de 30 quilômetros da Praça da Sé, para interligar as estradas e evitar que veículos entrem sem necessidade na malha viária da Grande São Paulo.

Há uns vinte e cinco anos atrás, um militar metido a especialista em trânsito veio a São Paulo e criou a via Rotatória em torno do centro velho da cidade, que passava por avenidas com mão única de direção.

A Zona Azul foi criada um pouco depois, e é aquele lugar dentro do grande centro da cidade, onde seu carro fica à mercê de marginais e pode ser multado se você não tirar o carro após o tempo de uma ou duas horas, permitido pelo seu cartão de estacionamento.

Recentemente, coisa de três anos, proibiram a circulação de veículos durante a semana, dentro de uma área da cidade limitada por um mini anel viário formado pelas Marginais Pinheiros, Tietê e avenidas abertas na ex-tranquila periferia de São Paulo. Das sete às dez horas da manhã e das dezessete às 20 horas, num determinado dia da semana, de acordo com o final da placa do seu carro, você não pode circular dentro dessa área, sob pena de ser multado. É o chamado dia do “rodízio” do seu carro.

Era o dia do “meu rodízio”. Tendo tudo planejado para tirar algumas fotos de São Paulo, às oito horas da manhã peguei meu carro e fui ao Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, sem precisar entrar no perímetro do mini anel viário. Lá não havia zona Azul, mas, como sempre, havia o tomador de conta do seu carro. Um equipamento fotográfico simples, e uma grande vontade de aproveitar bem aquele dia ensolarado, era o que dispunha, até às 17 horas daquele dia.

Não visitei o Parque da Independência no meu tempo de estudante. Acho que professores de história detestam esse tipo de visita. Nenhum sugeriu essa visita. Um dia levei meu filho mais velho que apreciou muito as pipocas e sorvetes que lhe comprei.

Por que ele teria que saber que “A casa do Grito” foi o local onde D. Pedro I recebeu das mãos de Paulo Bregaro, cartas de D. Leopoldina e de José Bonifácio, que o levaram a proclamar a independência do Brasil? No Hino Nacional Brasileiro, que o obrigaram a decorar na escola, já ouvira falar das margens “plácidas do Ipiranga“ num linguajar esquisito (“ouviram do Ipiranga, às margens plácidas”); Sua mente nunca iria imaginar que se referia àquele riozinho ridículo, que fica a algumas centenas de metros do local onde D. Pedro I proclamou a independência do Brasil.(1822)

Ah! O prédio do Museu do Ipiranga (1895) “é bonito”, disse meu filho com a cara lambuzada de sorvete, sem me ouvir falar dos jardins à frente do Museu, inspirados nos jardins barrocos franceses, como o de Versalhes, segundo um professor de história. Gostou também do Monumento à Independência (1921), pois foi na sua escadaria que nos sentamos para comer pipocas e descansar.

Quando saia pela rua Paulo Bregaro para atingir a Avenida Ricardo Jafet, o “Paiaço” aqui, fez questão de lembrar ao filho que esse personagem, Paulo Bregaro, foi o carteiro mais importante da história do Brasil. Era até nome de rua.

Deixando de lado essas reminiscências, volto ao meu passeio de fotógrafo amador, preocupado em cumprir um roteiro. Eram 10 horas quando terminei de fotografar o Parque da Independência. Já podia entrar dentro da área do mini anel viário sem ser multado. Assim, pouco depois das dez e vinte estava eu fotografando o Palácio das Indústrias (1910), no Parque D. Pedro II, antiga várzea do Carmo. A entrada fica na Avenida Mercúrio, dentro da Rotatória. Do pátio do Palácio das Indústrias tirei uma foto do centro da Cidade, onde se vê o prédio do privatizado (2000) banco Banespa e do quase bicentenário Banco do Brasil(1809).

Da calçada em frente ao Palácio das Indústrias, fotografei a usina de gás, o desativado (199?) Gasômetro, antes de ir fotografar o Mercado Municipal (1933).

A caminho do Mercado Municipal, fotografei o decadente edifício chamado de Treme-Treme, velho conhecido da violenta crônica policial de São Paulo. Não resisti e entrei no Mercado Municipal para dar uma olhada. Quando foi inaugurado, diziam que era muito imponente para a finalidade. Concordo.

Voltando para o local onde estacionei o carro, próximo do Palácio das Indústrias, atravessei a ponte sobre o Rio Tamanduateí, de onde tirei uma foto que mostra em primeiro plano, a água nojenta desse rio (ou esgoto a céu aberto, no chavão popular). Em segundo plano, aparece o viaduto Diário Popular, que joga parte do trânsito da avenida Mercúrio para a rua Vinte e Cinco de Março. Para quem não conheceu São Paulo de algumas décadas atrás, o jornal Diário Popular ficava ali, onde termina esse viaduto. 
Acima desse viaduto, na foto, aparece parte do centro velho de São Paulo, com a torre da Catedral da Sé ao centro e o topo do prédio da Secretaria da Fazenda, na avenida Rangel Pestana, à esquerda da foto.

Cheguei à Estação da Luz(1901) às doze e trinta, pelo relógio da sua torre. Estilo neo-clássico, foi construída pela The São Paulo Railway, para fazer parte da estrada de ferro Santos a Jundiaí, com todo o material trazido da Inglaterra. Um dia, em 1959, eu e meus irmãos descemos nessa estação, vindo de mudança do Vale do Ribeira. Um táxi nos levou a quatro quarteirões dali, dando uma volta de dez quarteirões. Mais tarde entendi a bronca e a malandragem do motorista de táxi. Hoje, a estação pertence à CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que irá destinar um espaço da estação para o futuro Centro Cultural da Língua Portuguesa.

A Igreja de São Cristóvão(1856) e o Jardim da Luz (1900) com suas esculturas   foram fotografadas até as treze horas. O prédio da Pinacoteca do Estado de São Paulo, mereceu de mim uma volta completa. Nos meados dos anos 60 ali funcionava também a EAD (Escola de Arte Dramática), onde ia assistir a peças teatrais apresentadas pelos alunos da escola. De graça.  Uma caminhada rápida e estou em frente ã estação Júlio Prestes (1938) da Estrada de Ferro Sorocabana. O relógio da sua torre marca treze horas e dez minutos. Na entrada principal, atualmente fica a Sala São Paulo (2000), o mais moderno teatro de São Paulo. Na gare (é assim que se diz?) da estação foi montado (2001) um arranjo teatral de “Os Lusíadas”. Ainda não fui a nenhum desses dois espaços culturais Ao lado da estação Júlio Prestes, fica o prédio antigo (1914) da administração da Estrada de Ferro Sorocabana. Na época da ditadura militar, foi ocupado pelo tristemente célebre DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Inferno. A partir de 1983 foi ocupada pela Delegacia de Defesa do Consumidor. Purgatório.
Atualmente, uma placa indica que lá fica a Escola Superior de Música. O paraíso, para um rapaz esquisito que disse que estudava ali. Acabou o filme. Quatorze horas e vinte minutos. Uma caminhada pelos arredores, para ver a antiga estação rodoviária na Avenida Duque de Caxias, a estátua do Duque de Caxias, parte da rua Santa Efigênia (onde se comprava tranqueiras eletrônicas) e outras ruas da antiga Zona do Lixo e lá se foram quase duas horas.

No retorno para casa, antes de atravessar a Avenida Ricardo Jafet, no sentido da avenida do Cursino, meu relógio marcava dezessete horas. Duas semanas depois, recebi a multa ( R$ xxx,00) por trânsito  em área proibida.


J.N – 09/04/01