Cassio Carvalheiro

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

CRONICA - O CRONISTA NOSSO DE CADA DIA (José Nagado 19.04.2001)



O CRONISTA NOSSO DE CADA DIA 

Gosto de reler esta crônica, saudosa lembrança de Rachel de Queiroz e Daniel “Sinopse” Piza que já morreram e de outros jornalistas como o Matthew Shirts, José Castelo, Mário Prata,  Mauro Dias, Ignácio de Loyola, João Ubaldo “PONTO DE VISTA” Ribeiro e  VERÍSSIMO Família Brasil, que igualmente assinavam suas colunas no Caderno Dois do Estadão, no ano de 2001.
Ignácio de Loyola, João Ubaldo  Ribeiro e  VERÍSSIMO continuam no “Caderno Dois”, escrevendo suas brilhantes e interessantes crônicas.  
Brevemente apresentarei neste Blog duas crônicas (não anacrônicas) distinguindo dois grandes colunistas do atual time do Caderno Dois: Lúcia Guimarães e Ignácio de Loyola.




O CRONISTA NOSSO DE CADA DIA – (José Nagado 19.04.2001)

   Hoje mudei minha rotina. Acordei cedo para levar minha filha ao fisioterapeuta, tomei uma média e pão com manteiga numa padaria e ainda não li meu jornal. São nove horas da manhã, já revisei minha penúltima crônica e estou iniciando esta. A crônica mais recente ainda está em período de incubação, para não dizer de “acabação”, quando acabo mudando metade do que escrevi.

   Se você está achando que escrevo crônicas para jornais, está enganado. Gosto desse gênero de literatura e escrevo crônicas pelo prazer de escrever. Lia crônicas de Rachel de Queiroz na antiga revista “O CRUZEIRO” antes de saber que eram crônicas, mas que com certeza, me levaram ao prazer de sua leitura em jornais, revistas e livros. 


   Admiro a capacidade daqueles que conseguem manter leitores cativos com sua crônica diária ou mesmo semanal. Escrever uma crônica por semana parece ser  coisa simples, mas não é. Consegui isso durante dez semanas e depois, mesmo tendo disponibilidade de tempo, fiquei duas semanas bloqueado. Nesse tempo tentei desenvolver dois temas, para os quais já havia feito anotações suficientes para escrever várias crônicas. Não consegui. Foram duas semanas terríveis, sem inspiração para escrever crônicas. Comigo, isso ocorre algumas vezes, por dois ou três dias. Duas semanas foi demais.

   Sou o leitor solitário das crônicas que faço. E também crítico impiedoso de mim mesmo. Um haicai meu “elogia” minhas próprias crônicas: “Crônica insôssa/Pedante, impertinente/Inútil e tôsca”. Além disso, minhas crônicas são pesadas, demoradas. Falta à minha crônica aquela linguagem leve e rápida do prosador acostumado a narrar, descrever, refletir, argumentar, filosofar e outras exigências que esse gênero consagrou.

   De segunda a sábado, no Caderno Dois, o time de cronistas do “Estadão”, alimenta impiedosamente essa minha impressão. Vejo o cronista nosso de cada dia com o seu “pãozinho” quentinho, pronto e acabado, para que nos deleitemos ao café da manhã. Cada um no seu estilo, serve humor, sutileza e inteligência extraídos de aspectos cronicáveis somente capturados por sua argúcia, em temas aparentemente corriqueiros ou noticiários locais ou internacionais.

   Quem, senão Matthew Shirts, poderia ter visto “O futuro dos mulherengos nos EUA” e contado para nós numa segunda feira? Tudo embalado com a cultura folhetinesca americana, pronto para o leitor jactar-se do seu   conhecimento da vida na terra do Tio Sam em qualquer   “papo cabeça”.

   Na terça-feira, um José Castelo apresenta, por exemplo, seu “Para que servem as crianças?“. Você reflete: Para que serviria uma crônica desse tipo? Chamar sua atenção para problemas que o noticiário dos jornais trata friamente ou até reforçar seus argumentos sobre uma questão social naquelas reuniões (chatas) de pais e mestres da escola do seu filho, ou quem sabe, torná-lo  mais sensível e receptivo nas relações com outros seres humanos, instigar sua inteligência emocional, como diria o consultor em QE. 

   Na quarta-feira, você acorda e lembra que tem a feijoada no almoço com os amigos. Péssimo hábito de muitos brasileiros, a feijoada da quarta-feira. Seu cronista do dia, Mário Prata, brinda você com um “Quebra de Sigilo Cerebral” ou então, com um “Os ladrões”.  Humor fino: Sigilo bancário e sigilo cerebral, quem deixaria de sacar as sutilezas e afinidades dos temas? Profissionais da gatunagem, gente fina os ladrões de antigamente. Seus músculos faciais estarão preparados para rir e seu fígado para trabalhar relaxado, durante e após aquele banquete de colesterol, nas conversas bem humoradas que rolarão com os seus amigos.

   Chega a quinta-feira, e você está com problemas que se acumularam durante a semana. Você lê a crônica do Mauro Dias e de repente, cai a “ficha“. Disfarçado numa ficção do cronista, você apanha um gancho ou uma idéia luminosa para resolver um dos seus problemas.  Em “Notas sobre a arte de transplantar problemas” Mauro Dias, nos faz refletir sobre os viadutos que construímos (foi o Pita, ex-prefeito de São Paulo) pensando que estamos resolvendo um gargalo do trânsito, quando apenas estamos (foi o Pita, repito) transplantando o problema para algum ponto logo adiante. Que isto não se repita.

   Finalmente chega Ignácio de Loyola Brandão, digo, chega a sexta-feira. Você terá um longo dia de trabalho, vários problemas a resolver ou metas ainda a cumprir. Mas você tem tudo organizado na sua cabeça. Como uma crônica do Ignácio de Loyola. Tem o conhecimento necessário do assunto, das circunstâncias que deverão ocorrer, das sutilezas comportamentais, e finalmente, do resultado esperado ou direção que deverá dar ao trabalho (ou à crônica, no caso do Loyola). “Só quero um pouco de silêncio”, “Ladrões de hoje, ladrões de Séculos”, “Ele (o sapo) veio trazer a felicidade ?”, são alguns dos exemplos de crônicas do Ignácio. Do mestre Ignácio. (lembrando sua Oficina Literária, onde orienta novos escritores). Depois de tanto trabalho, no barulhento “happy hour”, você nem vai se lembrar dos impostos que levam seu dinheiro para enriquecer ladrões dos cofres públicos (os Lalaus da vida) e vai ficar feliz quando o garção (o sapo) vier rapidamente trazendo seu chope geladinho.

   O gostoso da sexta-feira é a expectativa de um relaxante fim de semana. Em casa ou na praia, o fim de semana começa no sábado com a Velha Amiga Raquel. (escreve-se Rachel, como antigamente). Suas crônicas, como a “Velha Amiga”, “O milênio, o rural e o urbano”, “Tragédia no mar” nos trazem a calma sabedoria de quem viveu quase o século passado inteiro e adentra este novo século (e milênio) como uma sólida referência de duas ou três gerações de leitores de crônicas. É preciso dizer mais?

   Só mais um pouco. Peço desculpas ao iletrado (“Escrevendo Muderno”)João Ubaldo PONTO DE VISTA Ribeiro por não falar dele, que nos obriga a lê-lo aos domingos. Igualmente para o Daniel SINOPSE Piza, que me lembra Fernão Lopes, guarda-mor da Torre do Tombo, também nomeado cronista-mor do reino de D.Duarte e para o VERÍSSIMO Família Brasil, brasileiro de verdade, que acredita no seu povo (Devem existir poemas de Eurico Miranda). Trabalhador, todos os dias tem crônica sua no “Estadão”. 

   Sexta-feira, faz calor, parece verão. “Nas tardes de verão/ O chope bem gelado/ Tomo no balcão”.

Fui.

José Nagado – 19/04/01


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