O CRONISTA NOSSO DE CADA DIA
Gosto de reler esta crônica, saudosa lembrança
de Rachel de Queiroz e Daniel “Sinopse” Piza que já morreram e de outros
jornalistas como o Matthew Shirts, José
Castelo, Mário Prata, Mauro Dias, Ignácio
de Loyola, João Ubaldo “PONTO DE VISTA” Ribeiro e VERÍSSIMO Família
Brasil, que
igualmente assinavam suas colunas no Caderno Dois do Estadão, no ano de 2001.
Ignácio de Loyola, João
Ubaldo Ribeiro e VERÍSSIMO continuam
no “Caderno
Dois”, escrevendo suas brilhantes e interessantes crônicas.
Brevemente apresentarei neste Blog duas crônicas (não anacrônicas) distinguindo dois grandes colunistas do
atual time do Caderno Dois: Lúcia Guimarães e Ignácio de Loyola.
O CRONISTA NOSSO DE CADA DIA – (José Nagado 19.04.2001)
Hoje mudei minha rotina. Acordei cedo para
levar minha filha ao fisioterapeuta, tomei uma média e pão com manteiga numa
padaria e ainda não li meu jornal. São nove horas da manhã, já revisei minha
penúltima crônica e estou iniciando esta. A crônica mais recente ainda está em
período de incubação, para não dizer de “acabação”, quando acabo mudando metade
do que escrevi.
Se você está achando que escrevo crônicas
para jornais, está enganado. Gosto desse gênero de literatura e escrevo
crônicas pelo prazer de escrever. Lia crônicas de Rachel de Queiroz na antiga
revista “O CRUZEIRO” antes de saber que eram crônicas, mas que com certeza, me
levaram ao prazer de sua leitura em jornais, revistas e livros.
Admiro a capacidade daqueles que conseguem
manter leitores cativos com sua crônica diária ou mesmo semanal. Escrever uma
crônica por semana parece ser coisa
simples, mas não é. Consegui isso durante dez semanas e depois, mesmo tendo
disponibilidade de tempo, fiquei duas semanas bloqueado. Nesse tempo tentei
desenvolver dois temas, para os quais já havia feito anotações suficientes para
escrever várias crônicas. Não consegui. Foram duas semanas terríveis, sem
inspiração para escrever crônicas. Comigo, isso ocorre algumas vezes, por dois
ou três dias. Duas semanas foi demais.
Sou o leitor solitário das crônicas que
faço. E também crítico impiedoso de mim mesmo. Um haicai meu “elogia” minhas
próprias crônicas: “Crônica insôssa/Pedante, impertinente/Inútil e tôsca”. Além
disso, minhas crônicas são pesadas, demoradas. Falta à minha crônica aquela
linguagem leve e rápida do prosador acostumado a narrar, descrever, refletir,
argumentar, filosofar e outras exigências que esse gênero consagrou.
De segunda a sábado, no Caderno Dois, o time
de cronistas do “Estadão”, alimenta impiedosamente essa minha impressão. Vejo o
cronista nosso de cada dia com o seu “pãozinho” quentinho, pronto e acabado,
para que nos deleitemos ao café da manhã. Cada um no seu estilo, serve humor,
sutileza e inteligência extraídos de aspectos cronicáveis somente capturados
por sua argúcia, em temas aparentemente corriqueiros ou noticiários locais ou
internacionais.
Quem, senão Matthew Shirts, poderia ter
visto “O futuro dos mulherengos nos EUA” e contado para nós numa segunda feira?
Tudo embalado com a cultura folhetinesca americana, pronto para o leitor
jactar-se do seu conhecimento da vida
na terra do Tio Sam em qualquer “papo
cabeça”.
Na terça-feira, um José Castelo apresenta,
por exemplo, seu “Para que servem as crianças?“. Você reflete: Para que
serviria uma crônica desse tipo? Chamar sua atenção para problemas que o
noticiário dos jornais trata friamente ou até reforçar seus argumentos sobre
uma questão social naquelas reuniões (chatas) de pais e mestres da escola do
seu filho, ou quem sabe, torná-lo mais
sensível e receptivo nas relações com outros seres humanos, instigar sua
inteligência emocional, como diria o consultor em QE.
Na quarta-feira, você acorda e lembra que
tem a feijoada no almoço com os amigos. Péssimo hábito de muitos brasileiros, a
feijoada da quarta-feira. Seu cronista do dia, Mário Prata, brinda você com um
“Quebra de Sigilo Cerebral” ou então, com um “Os ladrões”. Humor fino: Sigilo bancário e sigilo
cerebral, quem deixaria de sacar as sutilezas e afinidades dos temas?
Profissionais da gatunagem, gente fina os ladrões de antigamente. Seus músculos
faciais estarão preparados para rir e seu fígado para trabalhar relaxado,
durante e após aquele banquete de colesterol, nas conversas bem humoradas que
rolarão com os seus amigos.
Chega a quinta-feira, e você está com
problemas que se acumularam durante a semana. Você lê a crônica do Mauro Dias e
de repente, cai a “ficha“. Disfarçado numa ficção do cronista, você apanha um
gancho ou uma idéia luminosa para resolver um dos seus problemas. Em “Notas sobre a arte de transplantar
problemas” Mauro Dias, nos faz refletir sobre os viadutos que construímos (foi
o Pita, ex-prefeito de São Paulo) pensando que estamos resolvendo um gargalo do
trânsito, quando apenas estamos (foi o Pita, repito) transplantando o problema
para algum ponto logo adiante. Que isto não se repita.
Finalmente chega Ignácio de Loyola Brandão,
digo, chega a sexta-feira. Você terá um longo dia de trabalho, vários problemas
a resolver ou metas ainda a cumprir. Mas você tem tudo organizado na sua
cabeça. Como uma crônica do Ignácio de Loyola. Tem o conhecimento necessário do
assunto, das circunstâncias que deverão ocorrer, das sutilezas comportamentais,
e finalmente, do resultado esperado ou direção que deverá dar ao trabalho (ou à
crônica, no caso do Loyola). “Só quero um pouco de silêncio”, “Ladrões de hoje,
ladrões de Séculos”, “Ele (o sapo) veio trazer a felicidade ?”, são alguns dos
exemplos de crônicas do Ignácio. Do mestre Ignácio. (lembrando sua Oficina
Literária, onde orienta novos escritores). Depois de tanto trabalho, no
barulhento “happy hour”, você nem vai se lembrar dos impostos que levam seu
dinheiro para enriquecer ladrões dos cofres públicos (os Lalaus da vida) e vai
ficar feliz quando o garção (o sapo) vier rapidamente trazendo seu chope
geladinho.
O gostoso da sexta-feira é a expectativa de
um relaxante fim de semana. Em casa ou na praia, o fim de semana começa no
sábado com a Velha Amiga Raquel. (escreve-se Rachel, como antigamente). Suas
crônicas, como a “Velha Amiga”, “O milênio, o rural e o urbano”, “Tragédia no
mar” nos trazem a calma sabedoria de quem viveu quase o século passado inteiro
e adentra este novo século (e milênio) como uma sólida referência de duas ou
três gerações de leitores de crônicas. É preciso dizer mais?
Só mais um pouco. Peço desculpas ao iletrado
(“Escrevendo Muderno”)João Ubaldo PONTO DE VISTA Ribeiro por não falar dele,
que nos obriga a lê-lo aos domingos. Igualmente para o Daniel SINOPSE Piza, que
me lembra Fernão Lopes, guarda-mor da Torre do Tombo, também nomeado
cronista-mor do reino de D.Duarte e para o VERÍSSIMO Família Brasil, brasileiro
de verdade, que acredita no seu povo (Devem existir poemas de Eurico Miranda).
Trabalhador, todos os dias tem crônica sua no “Estadão”.
Sexta-feira, faz calor, parece verão. “Nas
tardes de verão/ O chope bem gelado/ Tomo no balcão”.
Fui.
José Nagado –
19/04/01
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