CRÔNICA (ANACRÔNICA) - EM CARTAZ
Estava aguardando a premiação do OSCAR deste ano (2014) para postar esta Crônica - Em Cartaz, com a qual faço uma homenagem a um amigo e ex-colega de Colégio, cuja obra cinematográfica tem sido admirada por muitos cinéfilos adeptos do filme sobre Sexo. Respeitando a discrição do amigo troquei o seu nome nesta crônica, mas espero que me dê a alegria de um e-mail ou contato através deste blog.
EM CARTAZ (José Nagado - 11.03.2001)
O menino passou em
seu triciclo, descendo a avenida poeirenta para ir até a esquina onde ficavam
os cartazes dos filmes que seriam exibidos naquela semana, em dois dos três
cinemas da cidade.
Era assim, vendo os
cartazes dos filmes, que as crianças, jovens e adultos da cidade de Registro,
escolhiam o filme mais atraente, mesmo que acabassem indo aos dois cinemas, por
falta de outra opção de lazer. O terceiro cinema, que eu me lembre, não colocava
seus cartazes naquela esquina. Este cinema só apresentava filmes japoneses,
onde a velha colônia japonesa ia chorar seus dramalhões, com todo respeito. Não
havia escolha para eles. Algumas vezes eu ia lá, assistir a filmes de guerra ou
de samurais.
Curtir cinema, nos
anos cinqüenta da nossa infância, era vibrar com os seriados semanais das
matinês, vendo e mergulhando junto com os nossos heróis, nas aventuras vividas
por Niyoka, Flash Gordon e Tarzan. Era rir com as confusões aprontadas pelos
cativantes Gordo e Magro, ou pelos violentos Três Patetas ou torcer pela
vitória do Mocinho nos filmes de bangue-bangue.
Nas sessões
noturnas, eram apresentadas comédias mais adultas, como os filmes do heróico
Buster Keaton e da Tetéia dramática de Charles Chaplin, alguns com forte
conteúdo social. Dos Irmãos Marx, creio que a censura americana só nos deixou
ver sua cômica crueldade.
Para o
pré-adolescente de então, os grandes filmes como Sansão e Dalila, E o Vento
Levou, Spartakus, Os Últimos dias de Pompéia e outros épicos, produzidos nos
estúdios de Hollywood, que a cidade pequena trazia para seus cinemas, eram tão
importantes quanto os ingênuos filmes produzidos pelos esforçados estúdios da
Atlântida e da Vera Cruz.
Oscarito, Grande
Otelo e o nosso Mazzaropi, faziam parte do nosso imaginário do brasileiro,
malandro ou ingênuo, e muito diferente do herói americano, que cansamos de ver
nos filmes, vencendo guerras contra japoneses, alemães, e escaramuças contra os
peles vermelhas. Além disso, os americanos cansaram de nos mostrar seu modo de
viver, nos filmes do tipo água com açúcar, enquanto víamos somente a
disparidade entre a nossa pobreza urbana nas favelas e a vida elegante dos
ambientes mais sofisticados.
O Brasil da marcha
lenta do início da década de cinqüenta, acelerou um pouco durante o governo do
presidente (1956-60) JK, com seu slogan “Cinqüenta anos de progresso em cinco
de governo”. O adolescente do início dos
anos sessenta aspirava ter seu fusquinha fabricado pela indústria
automobilística nacional, que o Presidente Bossa Nova (JK) implantou no seu
governo. Curtimos bastante o ambiente cult da Bossa Nova, internacionalizada
num Carnegie Hall de muitos mitos. Repetimos nosso grito de alegria com a
conquista do bicampeonato mundial de futebol de 1962. Celebrávamos nossos
escritores, lendo adoidados, obras de Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge
Amado, e outros. Iniciamos o gosto pelo Teatro vendo Vida e Morte Severina, no
recém inaugurado Teatro Oficina (em 1961). Vimos também, de graça, muitas peças
apresentadas pelos alunos da Escola de Arte Dramática, no prédio da Pinacoteca
do Estado, na Avenida Tiradentes. O Cinema brasileiro ganha nessa época dois
importantes prêmios no Festival de Cannes. O Cangaceiro, dirigido por Lima
Barreto e O Pagador de Promessas, de Dias Gomes.
Tinha nessa época,
um colega de colégio, o Javier, Taiwanes, simpático, reservado em suas conversas,
era um entusiasta do novo cinema brasileiro. Dizia ele, então, que queria ser
diretor de cinema, do cinema engajado, para poder mostrar os problemas sociais
brasileiros.
Pouco tempo depois,
o Brasil mergulhou numa fase de censura intelectual por quase vinte anos,
durante a ditadura militar (1964-1988).
Encontrei o Javier na
Avenida Paulista, num dia desse período, em 1975 ou 1976. Não estava nada
animado e disse que vinha fazendo “um ou outro trabalho, sem muita
importância”.
Lembrei-me dessa
conversa com meu colega do colégio, após assistir “O Tigre e o
Dragão”, filme de artes marciais, com várias indicações ao maior Prémio do
Cinema, o Oscar 2001, do diretor taiwanes, Ang Lee, conhecido anteriormente por
trabalhar em produções psicológicas como Tempestade de Gelo e Razão e
sensibilidade, bem diferente de um filme de ação e pancadaria. Uma opção
comercial.
Sei que meu colega Javier não produziu nenhum “O Quatrilho”, “Central do Brasil”, “Eu, tu, eles” ou
“Dona flor e seus dois maridos”que não precisam ganhar O “Oscar” para serem
admirados por muitos brasileiros. Há uns
quinze anos atrás ele foi notícia de jornal, envolvido na produção de filmes
pornográficos.
Tenho certeza de
que sua incursão pelo filme pornográfico não foi uma escolha tão simples como
teria sido a do menino do triciclo, ou do seu compatriota Ang Lee.
JN – 11/03/01
Caro amigo Nagado,
ResponderExcluirO seu texto me levou a uma reflexão retrospectiva sobre um colega de classe de um curso de madureza que frequentei antes de fazer o cursinho e a faculdade onde te conheci. Trata-se de Carlos Reichenbach www.youtube.com/watch?v=10RJuEhl-hY, diretor de cinema, com notável passagem pela "boca do lixo", onde produziu parte importante de sua obra. Assisti o link acima, para rever o colega falecido há algum tempo, sobrevivente de uma arte sub-comercial, desgastado pelo tempo, pela vida e pela saúde precária. Assista pelo menos o começo pois a entrevista é longa. Ele era uma figura ímpar. Perto dele, eu me sinto um almofadinha que viveu uma confortável carreira relativamente pouco acidentada. Provavelmente, o seu colega conheceu e viveu como o meu colega Carlão. Nesta longa vida, sobrevivi a muitas provas, alumas agitadas, outras tediosas. Esta entrevista me leva a eterna impressão de que o brinquedo dos outros é mais legal do que do meu! Pelo menos o do Carlão era. Abraços do Motta