Apresentação
Esta crônica é uma homenagem ao "Meu Velho Dicionário", aposentado há 12 anos, mas que ainda ocupa um lugar de honra em minha biblioteca.
Mestre das minhas buscas semânticas e lexicais, ensinou-me também o prazer da pesquisa temática e o sabor de ousar criar com palavras por vezes conhecidas somente em seus eruditos exemplos.
O Burlesco nos apresenta diversos desafios no desenvolvimento de sua temática e o "Aurélio" prontamente nos ajuda a expor o texto reclamado pela situação.
No extrato abaixo, de Estereótipos e Barthes - (4), procuramos explorar informações complexas que posteriormente serão utilizadas no desenvolvimento do texto.
"... função heurística dos (mitos) estereótipos através dos quais podemos avaliar o personagem burlesco com a profundidade de seus conflitos, a superficialidade de suas alegrias e o peso de suas perdas, que regula seu comportamento ou acusa seus problemas psicológicos. Além de ajudá-lo a desfrutar o burlesco, o conceito de mitos oferece um meio para a leitura (semiótica) contextualizada de atitudes e cursos de ação alternativos e as conseqüências para o personagem e dessa forma, também para o próprio leitor! Esta é uma função terapêutica do Burlesco, possibilitada pela satirizarão das “falas” donde se extraem “ideologias” nem sempre bem esclarecidas do falante."
Por enquanto, ao leitor, basta a leitura da Crônica.
MEU VELHO
DICIONÁRIO
José Nagado
José Nagado
Aposentei meu velho
dicionário. Em setembro do ano passado comprei um novo dicionário e o meu
Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, (nona edição -1951), foi
aposentado, após 48 anos de sábios serviços prestados a mim e mais cinco
irmãos.
Adquirido para o
meu irmão mais velho em 1952, o paciente companheiro respondeu a todas as
nossas consultas nestes anos todos, principalmente na época em que freqüentamos
os bancos escolares, e acabou ficando comigo nos últimos vinte e seis anos.
Acho que mereço a
sua guarda, pois em 1959, vendo o velho amigo um bocado estropiado pelo uso,
sua capa já solta, algumas folhas despencando, dei-lhe uma reforma geral, o quê
permitiu seu uso até os dias de hoje.
Sempre esteve ao
alcance das minhas mãos. Só agora, resolvi colocá-lo numa estante, onde deverá
ser preservado, diferentemente de tantos livros que acabamos doando para
instituições ou jogando no lixo, se obsoletos.
Antes de fazer isto, revi as marcas que deixamos em suas páginas.
Sua primeira
página, além do nome do mano e ano de aquisição, tem escrito os nomes de outros
irmãos e a seqüência dos anos de uso até 1973. À frente do ano de 1958, a
palavra Mundial lembra que foi o ano do primeiro campeonato mundial levantado
pelo Brasil. O ano de 1962 recorda que foi o “ano do Bi”. O ano de 1966 lamenta
o fiasco da seleção de futebol: “Tri – há-há-há!”. À frente do ano de 1971, a
palavra Vovô, acho que registra o ano em que meu pai se tornou avô pela
primeira vez.
Talvez nem seja motivo
de gostosas risadas e até acabe se tornando motivo de crítica dos leitores,
dizer-lhes como está a “ilustração” da capa e da lombada desse velho
dicionário, feita a caneta esferográfica.
A capa (sobre o
tecido de proteção) tem um desenho, mal feito, da metade de um burro com um
balão contendo a meia frase: “Aliás, avô já... (dizia)”.
Ainda na capa, está
escrita e riscada a palavra “Disseonário” , vindo logo abaixo, sua grafia
“correta”, Diçeônario. Fora isso, o desenho estilizado de dois compenetrados
leitores, sentados em penicos com um livro na mão.
Na lombada, com
humor, corrige-se uma falha de apresentação do dicionário, indicando com as
palavras “Paiê dos Buros”, “Sima” e “Báicho”, tratar-se de um dicionário e a
posição correta para seu acesso.
Toda vez que vejo essa criativa ilustração, eu me lembro
da falta de entusiasmo das pessoas quando se sugere a elas para procurar alguma
palavra no dicionário. Talvez isso se deva à imagem sempre presente daquele
professor sisudo a quem a gente tinha receio de fazer perguntas ou daquele
professor “grosso” (e pesado), alvo predileto de pilhérias dos alunos, mas
nunca procurado para responder suas dúvidas.
Embora decidido a
preservar o velho dicionário, senti como se estivesse me despedindo de um velho
amigo a quem não ouvira, ainda, toda a sua experiência e sábios conhecimentos e
continuei a ler suas páginas seguintes.
Na segunda página,
vi o cuidado da editora, declarando estar a “Ortografia de acordo com as
Instruções para a organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Nacional
aprovadas pela Academia Brasileira de Letras, em 12 de agosto de 1943”.
Na terceira página,
são apresentados os “pais dos burros”, os organizadores, revisores e
colaboradores especiais dessa nona edição do Pequeno Dicionário Brasileiro da
Língua Portuguesa, destacando-se que essa edição foi “Inteiramente revista e
consideravelmente aumentada, sobretudo na parte de brasileirismos por Aurélio
Buarque de Hollanda Ferreira”, cujo prenome (Aurélio) é freqüentemente usado
como sinônimo de Dicionário.
A essas páginas,
segue-se um Prefácio muito esclarecedor sobre as revisões incluídas na obra e a
transcrição daquelas Instruções para a organização do Vocabulário Ortográfico
da Língua Nacional. A aula magna do ínclito (egrégio; celebrado; ilustre)
lexicólogo.
Na verdade, a essa
altura já estava quase arrependido de ter arranjado um substituto para o velho
professor, o Novo Aurélio – Século XXI, e estava procurando ver também em suas
páginas iniciais, uma justificativa para tal ato de traição. Acabei convencido.
Perdão, Velho
Aurélio. Você não tem culpa de não poder
justificar para mim as alterações na ortografia da língua portuguesa,
oficializadas em 1971, como por exemplo, a grafia atual da palavra
consideravelmente (sem acento), a atualização do significado de palavras tais
como miasma, cujo significado anterior se tornou cientificamente obsoleto e uma
plêiade de novas palavras consagradas pelo uso e outras palavras justificadas
pelo fato da língua portuguesa acompanhar a evolução do mundo moderno. É uma
língua viva.
Vejo agora ao meu
lado, o Velho e Novo Aurélio, como o avo e o neto, numa longa conversa onde a
vivência de um instiga a curiosidade do outro, com muito respeito ao Velho e
muita esperança no Novo.
Jn - 03/01/01
Nagado, eu não tenho coragem de "aposentar" meus dicionários, mesmo porque, nenhum deles foi comprado. Todos foram impressos pelas gráficas que prestei serviço ou editoras que trabalhei. Meu segundo emprego foi na Encyclopaedia Britannica, da qual tenho Dicionários e Manual de Redação. Daí em diante, foram Melhoramentos, Estadão, Editora do Brasil, Prol e Vida e Consciência. Devo ter cerca de 70 dicionários, contando os de línguas estrangeiras. Mas acho muito louvável você aposentar o velhinho de 1951 e ainda escrever uma bonita crônica para ele. Parabéns!!
ResponderExcluirNicanor, embora um "pouco atrasado", agradeço seu comentário e a oportunidade de dizer-lhe que incluí "Meu Velho Dicionário" na coletânea “CRÔNICAS 2001”, crônicas que cometi no ano de 2001. Sua experiência profissional na área editorial de dicionários deve tê-lo levado a lembrar de aspectos que a minha crônica deixou de considerar. Em "Crônicas 2001" espero que possa acrescentar um momento de "diálogo" entre o meu texto e aquilo que seu comentário e sua experiência suscita.
ResponderExcluirLeia "Intertextualidade" em:
https://licburlesco.blogspot.com/2017/10/cronicas-2001-intertextualidade-jose.html
Antenor, muito obrigado. Grande Abraço
José Nagado (jn-22.01.2018)
Nicanor, embora um "pouco atrasado", agradeço seu comentário e a oportunidade de dizer-lhe que incluí "Meu Velho Dicionário" na coletânea “CRÔNICAS 2001”, crônicas que cometi no ano de 2001. Sua experiência profissional na área editorial de dicionários deve tê-lo levado a lembrar de aspectos que a minha crônica deixou de considerar. Em "Crônicas 2001" espero que possa acrescentar um momento de "diálogo" entre o meu texto e aquilo que seu comentário e sua experiência suscita.
ResponderExcluirLeia "Intertextualidade" em:
https://licburlesco.blogspot.com/2017/10/cronicas-2001-intertextualidade-jose.html
Antenor, muito obrigado. Grande Abraço
José Nagado (jn-22.01.2018)