Cassio Carvalheiro

domingo, 11 de novembro de 2012

MEU VELHO DICIONÁRIO - Crônica



Apresentação
Esta crônica é uma homenagem ao "Meu Velho Dicionário", aposentado há 12 anos, mas que ainda ocupa um lugar de honra em minha biblioteca.
Mestre das minhas buscas semânticas e lexicais, ensinou-me também o prazer da pesquisa temática e o sabor de ousar criar com palavras por vezes conhecidas somente em seus  eruditos exemplos.
O Burlesco nos apresenta diversos desafios no desenvolvimento de sua temática e o "Aurélio" prontamente nos ajuda a expor o texto reclamado pela situação.    
No extrato abaixo, de Estereótipos e Barthes - (4), procuramos explorar informações complexas que posteriormente serão utilizadas no desenvolvimento do texto.  
"... função heurística dos (mitos) estereótipos através dos  quais podemos avaliar  o personagem burlesco  com  a profundidade de seus conflitos, a superficialidade de suas alegrias e o peso de suas perdas, que regula seu comportamento ou acusa seus problemas psicológicos. Além de  ajudá-lo a desfrutar o burlesco, o conceito de mitos oferece um meio para a leitura (semiótica) contextualizada de atitudes e cursos de ação alternativos e as conseqüências  para o personagem e dessa forma, também para o próprio leitor! Esta é uma função terapêutica do Burlesco, possibilitada pela satirizarão das “falas” donde se extraem “ideologias”  nem sempre bem esclarecidas do falante." 

Por enquanto, ao leitor, basta a leitura da Crônica.


MEU VELHO DICIONÁRIO 

José Nagado 

   Aposentei meu velho dicionário. Em setembro do ano passado comprei um novo dicionário e o meu Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, (nona edição -1951), foi aposentado, após 48 anos de sábios serviços prestados a mim e mais cinco irmãos. 

  Adquirido para o meu irmão mais velho em 1952, o paciente companheiro respondeu a todas as nossas consultas nestes anos todos, principalmente na época em que freqüentamos os bancos escolares, e acabou ficando comigo nos últimos vinte e seis anos.

  Acho que mereço a sua guarda, pois em 1959, vendo o velho amigo um bocado estropiado pelo uso, sua capa já solta, algumas folhas despencando, dei-lhe uma reforma geral, o quê permitiu seu uso até os dias de hoje.

  Sempre esteve ao alcance das minhas mãos. Só agora, resolvi colocá-lo numa estante, onde deverá ser preservado, diferentemente de tantos livros que acabamos doando para instituições ou jogando no lixo, se obsoletos.

   Antes de fazer isto, revi as marcas que deixamos em suas páginas.

  Sua primeira página, além do nome do mano e ano de aquisição, tem escrito os nomes de outros irmãos e a seqüência dos anos de uso até 1973. À frente do ano de 1958, a palavra Mundial lembra que foi o ano do primeiro campeonato mundial levantado pelo Brasil. O ano de 1962 recorda que foi o “ano do Bi”. O ano de 1966 lamenta o fiasco da seleção de futebol: “Tri – há-há-há!”. À frente do ano de 1971, a palavra Vovô, acho que registra o ano em que meu pai se tornou avô pela primeira vez.

   Talvez nem seja motivo de gostosas risadas e até acabe se tornando motivo de crítica dos leitores, dizer-lhes como está a “ilustração” da capa e da lombada desse velho dicionário, feita a caneta esferográfica.

   A capa (sobre o tecido de proteção) tem um desenho, mal feito, da metade de um burro com um balão contendo a meia frase: “Aliás, avô já... (dizia)”.

   Ainda na capa, está escrita e riscada a palavra “Disseonário” , vindo logo abaixo, sua grafia “correta”, Diçeônario. Fora isso, o desenho estilizado de dois compenetrados leitores, sentados em penicos com um livro na mão.

   Na lombada, com humor, corrige-se uma falha de apresentação do dicionário, indicando com as palavras “Paiê dos Buros”, “Sima” e “Báicho”, tratar-se de um dicionário e a posição correta para seu acesso.

   Toda vez que vejo essa criativa ilustração, eu me lembro da falta de entusiasmo das pessoas quando se sugere a elas para procurar alguma palavra no dicionário. Talvez isso se deva à imagem sempre presente daquele professor sisudo a quem a gente tinha receio de fazer perguntas ou daquele professor “grosso” (e pesado), alvo predileto de pilhérias dos alunos, mas nunca procurado para responder suas dúvidas.

   Embora decidido a preservar o velho dicionário, senti como se estivesse me despedindo de um velho amigo a quem não ouvira, ainda, toda a sua experiência e sábios conhecimentos e continuei a ler suas páginas seguintes.

   Na segunda página, vi o cuidado da editora, declarando estar a “Ortografia de acordo com as Instruções para a organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Nacional aprovadas pela Academia Brasileira de Letras, em 12 de agosto de 1943”.

   Na terceira página, são apresentados os “pais dos burros”, os organizadores, revisores e colaboradores especiais dessa nona edição do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, destacando-se que essa edição foi “Inteiramente revista e consideravelmente aumentada, sobretudo na parte de brasileirismos por Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira”, cujo prenome (Aurélio) é freqüentemente usado como sinônimo de Dicionário.

   A essas páginas, segue-se um Prefácio muito esclarecedor sobre as revisões incluídas na obra e a transcrição daquelas Instruções para a organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Nacional. A aula magna do ínclito (egrégio; celebrado; ilustre) lexicólogo.

   Na verdade, a essa altura já estava quase arrependido de ter arranjado um substituto para o velho professor, o Novo Aurélio – Século XXI, e estava procurando ver também em suas páginas iniciais, uma justificativa para tal ato de traição. Acabei convencido.

   Perdão, Velho Aurélio.  Você não tem culpa de não poder justificar para mim as alterações na ortografia da língua portuguesa, oficializadas em 1971, como por exemplo, a grafia atual da palavra consideravelmente (sem acento), a atualização do significado de palavras tais como miasma, cujo significado anterior se tornou cientificamente obsoleto e uma plêiade de novas palavras consagradas pelo uso e outras palavras justificadas pelo fato da língua portuguesa acompanhar a evolução do mundo moderno. É uma língua viva.

  Vejo agora ao meu lado, o Velho e Novo Aurélio, como o avo e o neto, numa longa conversa onde a vivência de um instiga a curiosidade do outro, com muito respeito ao Velho e muita esperança no Novo.

Jn - 03/01/01




3 comentários:

  1. Nagado, eu não tenho coragem de "aposentar" meus dicionários, mesmo porque, nenhum deles foi comprado. Todos foram impressos pelas gráficas que prestei serviço ou editoras que trabalhei. Meu segundo emprego foi na Encyclopaedia Britannica, da qual tenho Dicionários e Manual de Redação. Daí em diante, foram Melhoramentos, Estadão, Editora do Brasil, Prol e Vida e Consciência. Devo ter cerca de 70 dicionários, contando os de línguas estrangeiras. Mas acho muito louvável você aposentar o velhinho de 1951 e ainda escrever uma bonita crônica para ele. Parabéns!!

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  2. Nicanor, embora um "pouco atrasado", agradeço seu comentário e a oportunidade de dizer-lhe que incluí "Meu Velho Dicionário" na coletânea “CRÔNICAS 2001”, crônicas que cometi no ano de 2001. Sua experiência profissional na área editorial de dicionários deve tê-lo levado a lembrar de aspectos que a minha crônica deixou de considerar. Em "Crônicas 2001" espero que possa acrescentar um momento de "diálogo" entre o meu texto e aquilo que seu comentário e sua experiência suscita.
    Leia "Intertextualidade" em:

    https://licburlesco.blogspot.com/2017/10/cronicas-2001-intertextualidade-jose.html

    Antenor, muito obrigado. Grande Abraço
    José Nagado (jn-22.01.2018)








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  3. Nicanor, embora um "pouco atrasado", agradeço seu comentário e a oportunidade de dizer-lhe que incluí "Meu Velho Dicionário" na coletânea “CRÔNICAS 2001”, crônicas que cometi no ano de 2001. Sua experiência profissional na área editorial de dicionários deve tê-lo levado a lembrar de aspectos que a minha crônica deixou de considerar. Em "Crônicas 2001" espero que possa acrescentar um momento de "diálogo" entre o meu texto e aquilo que seu comentário e sua experiência suscita.
    Leia "Intertextualidade" em:

    https://licburlesco.blogspot.com/2017/10/cronicas-2001-intertextualidade-jose.html

    Antenor, muito obrigado. Grande Abraço
    José Nagado (jn-22.01.2018)








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