Cassio Carvalheiro

terça-feira, 22 de agosto de 2017

CRÔNICA 07 - CÓDIGO DE COMPORTAMENTO



CRO 07 - CÓDIGO DE COMPORTAMENTO


Observação

CRÔNICAS 2001 – PUBLICADAS NO BLOG CONFRARIAS DO RISO


“Código de Comportamento” encerra a coletânea (CRÔNICAS 2001)  publicada no blog Confrarias do Riso.  A sequência cronológica das crônicas, escritas entre os meses de janeiro e agosto de 2001 não obedece a mesma sequência de suas postagens no blog. 



CÓDIGO DE COMPORTAMENTO - josé nagado 
https://licburlesco.blogspot.com/2017/08/cro-07-codigo-de-comportamento.html

Final de campeonato. Aos trinta e cinco minutos do segundo tempo, o pênalti, insofismável, foi assinalado pelo juiz. O time beneficiado estava a merecer o gol, que finalmente lhe daria o tão sonhado título. O batedor do time se apresenta e o juiz solenemente coloca a bola na marca do pênalti, ordenando para que os demais jogadores saiam da grande área. Silêncio no estádio.

A cena não era tão incomum no futebol. Os dois times tinham chegado com méritos à final daquele campeonato e eram times que vinham dividindo entre si quase todos os títulos que disputavam. Suas torcidas, é claro, queriam levar mais esse título. Nada demais estaria ocorrendo no fato de um campeonato de futebol ser definido através de um pênalti. Será?

O futebol é apaixonante. Mesmo que seu time não esteja participando da partida de decisão do campeonato, você acaba torcendo por um dos times.Ou melhor, torcendo contra um dos times. Você torce contra o time que eliminou o seu da decisão. Você torce contra o time do seu colega de trabalho, para poder gozar dele no dia seguinte. Você torce contra o time cuja torcida você detesta. Você está com bronca do time que tentou humilhar o seu durante o campeonato. O verdadeiro amante do futebol sempre torce. Mesmo que seja contra.

O batedor se aproximou da marca do pênalti, e, como um ator que entendia perfeitamente o script, ajoelhou-se, apanhou a bola com as duas mãos e deu-lhe um beijo. Em seguida, levantou a bola acima da cabeça e fez o agradecimento antecipado por aquela epifânia, o gol. Ele seria apenas o instrumento da vontade Divina. Ajeitou com carinho a bola na marca do pênalti e se afastou uns dez passos, lentamente, olhando para a bola.

A torcida já sabia de cor o final desse script. O chute certeiro e o goleiro pateticamente tentando interceptar a bola. Depois, a corrida agitada, girando ambos os braços impedindo que seus companheiros chegassem para abraçá-lo. Na frente da sua platéia enlouquecida, finalmente, cairia de joelhos, carismático, agradecendo aos céus.

Muitos outros jogadores de futebol já faziam essa encenação, mostrando por baixo da camisa do clube, uma camiseta com a inscrição “Atleta de Cristo”.

A mim sempre me pareceu haver pouca humildade no agradecimento e falta de convicção na devoção que esses jogadores queriam transmitir ao público. Também aquele batedor do pênalti nunca me convenceu, desde que começou a fazer esse tipo de encenação.

O batedor estava só esperando o apito do juiz, autorizando a cobrança do pênalti, que para muitos sociólogos nos velhos tempos do futebol, deveria ser ato do presidente do clube, e não de um mero jogador, funcionário do clube em ultima análise. O jogador de futebol não era tão valorizado quanto hoje. Um jogador consagrado, atualmente, ganha muito dinheiro e não esquenta a cabeça se perder um pênalti.  Se a torcida não o quiser mais, tranqüilamente irá arranjar outro clube para ganhar mais dinheiro.

Tudo pronto para a cobrança do pênalti. O que se passaria na cabeça do batedor? Teria esquecido que a torcida já não creditava ao seu comportamento, tanto na sua vida particular como dentro do gramado as virtudes próprias de “um atleta de Cristo”?

O futebol de outras épocas, sempre teve seus ídolos e vilões dentro do gramado. Víamos os jogadores fazerem discretamente seu sinal de pedido de proteção ao entrar no campo, e lá, decidiam tudo na bola. O vilão sabia que era faltoso e que a torcida o respeitava, e o ídolo sabia que merecia o lugar no coração de todas as torcidas. No campo, ninguém podia fazer concessões e sair delas intacto, sem arranhar sua integridade.  

Finalmente, o apito. 

A bola é chutada para fora.

Fora as comemorações da torcida favorecida e da agonia da outra torcida, naquele jogo, sem gols, um fato teria de marcar para sempre o jogador que perdeu o pênalti. Não por ter deixado de marcar o gol, mas pelo código de comportamento que violou até então, contrariando princípios éticos e preceitos religiosos. Muitos torcedores de outros times e do seu próprio time, já torciam para não ter que ver aquela demonstração de hipocrisia.

Passados vários meses desse episódio, muitos jogos sem vencer e poucos jogos satisfatórios, mais desacreditado que nunca, o time tem demonstrado que seus jogadores estão abatidos moralmente após o período de sucesso atribuído a valores nefastos baseados na recompensa imediata que um de seus companheiros atribuía a forças extraterrenas, e não aos seus esforços dentro do campo. E o pior, esse jogador faturava em cima dessa alegoria toda. Um esperto e dez trouxas.

O time está tentando esquecer de tudo, mas precisa rever seus valores para aplicar o poder da vontade e da garra, aqueles valores honestos e esquecidos que eram perseguidos por um time que nunca pretendia enganar a ninguém. Nem uma torcida fanática como a do Corinthians.

Antes de terminar, devo dizer que não sou corintiano. 

JN – 26/02/01






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