Cassio Carvalheiro

domingo, 6 de dezembro de 2015

Crônica - A TEORIA DO ESQUECIMENTO (JN - 30.04.2001)


CRÔNICA - A TEORIA DO ESQUECIMENTO (JN - 30.04.2001)

Comentário  

Assisti na TV (01.12.2015)  a uma sessão da Comissão de Ética da Câmara, onde se discutia a continuidade ou não do processo de cassação do seu Presidente, Deputado Eduardo Cunha, sob acusação de Falta de Decoro Parlamentar. (a chamada mentira deslavada, "coisa impossível que tenha ocorrido  numa Casa de tanto respeito!", diria a Velhinha de Taubaté.)

Como soe acontecer, "sua excelência", o presidente da Comissão de Ética, pavoneia-se debatendo ardorosamente as "questões de ordem" durante horas até que os telespectadores como eu desistem de assistir ao programa, pois parece "coisa já vista", como aquela situação contada em "Teoria do Esquecimento", crônica que escrevi em abril de 2001. 

Essa crônica focalizava  a discussão sobre se os procedimentos de ACM (PFL) e JRA (defenestrado pelo PSDB, sem partido) teriam sido éticos ou não, com relação à quebra de sigilo de uma votação secreta ocorrida no legislativo e comenta o resultado do julgamento desse caso, no Conselho de Ética do Senado da República. 


Havia, na ocasião, uma grande possibilidade de ser pedida a cassação dos dois senadores, por "falta de decoro parlamentar". (Para lamentar!).


Enquanto o Senado debatia (dia 02.12.2015) o vergonhoso orçamento de 2015 com as "pedaladas" autorizadas pela Presidenta Dilma, foi anunciado que  Eduardo Cunha, o Presidente da Câmara, acabava de aceitar o pedido feito pelos Juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Paschoal, para inicio da ação de Impeachment da Presidenta por irresponsabilidade fiscal em seu governo.

Em 2010, revendo a frase 
que anotamos  na crônica "Teoria  do Esquecimento", “Esquecer é fundamental no processo que leva à revelação do ser”,  nos remeteu à estrutura dos Estilos de Comportamento Burlesco, quando se reporta aos conceitos tradicionais de "SER" e de "VERDADE", termos recorrentes no pensamento do filósofo alemão, Martin Heidegger  (1889-1976).  

No pensamento de Heidegger, assim entendemos,  a correlação entre o conceito tradicional de "Ser" e o de "Verdade", associa também o "desvelamento" como o campo de possibilidade no qual se dá a manifestação do "Ser". Eis a concepção do "ambiente" ético ideal que deveria ser respeitado pelos "entes" que escolhemos para as nossas Casas do Congresso.  


A realidade do sórdido mundo político brasileiro, é que o "Ser" e a "Verdade"   não são termos recorrentes, mas o são o "Ente" político e a "Mentira", uma realidade desse ambiente  onde   a crença no  "desvelamento"inexiste.  

O filósofo Heidegger jamais iria pensar que, um dia, seu pensamento antimetafísico integraria o senso de humor  no século XXI. (faça de conta que não leu isto!) e nem que poderia instigar  o permanente desejo brasileiro de fazer uma limpeza geral (desvelamento) nas duas casas do Congresso.! IMPEACHMENT!

Esquecer episódios vergonhosos no  Congresso, seria salutar para o crescimento ético do povo brasileiro? Como poderíamos esquecer os motivos do impeachment do Presidente Collor? E agora, dos motivos dos pedidos de Impeachment do Presidente da Câmara e do Presidente da República?

CRÕNICA

A TEORIA DO ESQUECIMENTO - (JN - 30.04.2001)



“Esquecer é fundamental no processo que leva à revelação do ser”.

Não gosto de filosofia, mas estranhamente minha fabulosa memória de dois bits recuperou em não sei qual escaninho da minha mente, e, mais estranhamente ainda, associada a uma Teoria do Esquecimento, creditada ao filósofo alemão Heidegger, a frase acima, que devo ter lido distraidamente em algum lugar. 

Essa frase me pareceu um tanto paradoxal e ficou martelando minha cabeça até que resolvi especular a respeito.

Em primeiro lugar, matutando sobre o esquecimento, cheguei à lógica conclusão de que não se esquece o que não seja do conhecimento prévio do indivíduo, algo que abrange sua percepção externa ou aquilo que é evidente, aquilo que está na sua memória, aquilo que sua mente é capaz de produzir baseado nas suas faculdades de entendimento, de imaginação, percepção e de memória e finalmente, aquilo que chamamos de razão, determinado pelo conhecimento da necessidade a priori.

Esquecer pode ser vexatório em algumas situações. Tenho uma facilidade enorme para esquecer tudo. Já cheguei a esquecer até o nome do meu filho, fato ocorrido uma semana após ter visto o parto e, com a minha esposa, ter escolhido o nome que eu mesmo fui registrar no cartório. Depois disso botei na carteira uma foto com o nome dele e nunca mais passei tal vexame.

Pensando cá com os meus botões, cheguei à conclusão de que além de vexatório, esse tipo de esquecimento nada tem a ver com esse papo de “revelação do ser”, ou de revelação da natureza íntima. De comportamento, deduzi.

Em geral achamos que existem coisas que jamais poderíamos esquecer, como o nome do próprio filho. Por outro lado, entendemos que existem coisas que, para simplificar chamaremos coisas desagradáveis, que a gente tem o direito de esquecer ou coisas que devemos esquecer, ditadas pela necessidade da mente humana de se liberar daquilo que de alguma forma chega a perturbar até o nosso comportamento.

Em outras palavras, para o indivíduo, esquecer coisas desagradáveis seria um processo confortável para sua mente e providencial para o seu comportamento.

Para esse indivíduo, lembrar-se de coisas desagradáveis, em contrapartida, seria um processo desconfortável para a mente e um desastre para seu comportamento?

Profundo, não? Agora não dá mais pra sair dessa enrascada. Vamos em frente.


Neste ponto das nossas conjecturas, passamos a abordar uma questão importante que se discute no Senado.

Vimos na semana que passou, no Conselho de Ética do Senado da República, a discussão sobre se os procedimentos de ACM (PFL) e JRA (defenestrado pelo PSDB, sem partido) teriam sido éticos ou não, com relação à quebra de sigilo de uma votação secreta ocorrida no legislativo.

Não há dúvidas quanto à imoralidade da funcionária pública que propiciou a quebra do sigilo, mas parece que chegamos a um nó difícil de ser desatado, quanto ao julgamento dos dois senadores envolvidos. Ambos sabiam da quebra de sigilo e tentaram esconder o fato do Senado e do povo brasileiro.

Após eles (ACM e JRA) terem mentido (falta de decoro, no jargão do legislativo) até o “depoismento “da funcionária, os ditos senadores acabaram assumindo que ambos tiveram conhecimento da lista de votantes e dos respectivos votos dessa votação, em princípio, secreta, e até onde é possível entender, como responsáveis pelo pedido de violação sistema de votação eletrônico. Esse é o consenso do Povo brasileiro. 

Há uma grande possibilidade de ser pedida a cassação dos dois senadores, por falta de decoro parlamentar. (Para lamentar).

Vamos imaginar como seria o julgamento dos dois senadores.
Após as discussões no Conselho de ética, presidida pelo senador Ramez Tebet (PMDB), o senador Roberto Saturnino (PSB) relator do Conselho, levaria todo o processo (depoimentos, acareações, etc) ao Romeu Tuma (PFL), como corregedor do Senado, para ser encaminhado ao Senador Bernardo Cabral (PFL), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)onde os senadores seriam julgados. Este finalmente levaria os resultados do Conselho de Ética e do CCJ para mais uma votação do caso no Senado. Ufa !

O resultado final: absolvidos na questão ética, devido à ausência física da lista de votação, que não apareceu nos autos.

Resumindo: ACM e JRA foram considerados heróis da pátria pelo corporativismo do Senado e foram elogiados pelo alto destemor cívico na sua luta pela verdade, na comprovação da violabilidade do sistema de votação, e outras balelas do besteirol que rola no Senado nessas ocasiões.

Apesar da bronca de vários senadores, como a Heloisa Helena (PT) que gritava “Quero a apuração de tudo” e de Roberto Freire (PPS) que definia “O Senado foi transformado em delegacia de polícia”, no encerramento do caso ainda se ouviu um defensor do ex-senador Luis Estevão (o que foi cassado em votação secreta) dizendo: “Esquecer tudo isso é fundamental no processo que leva mais uma vez à revelação do Senado como o legítimo defensor dos mais altos valores éticos e morais do povo brasileiro”.

Imaginando esse final (ainda bem que era só imaginação) consegui dar um sentido àquela frase inicial.

Esquecendo (ou deixando de lado) essas questiúnculas de moral e ética, o Senado revela ao povo o seu verdadeiro íntimo.

O povo brasileiro sabe, como também sabem os senadores que serão julgados e seus pares, que existe alhures na memória de todos, uma lista de votação secreta violada que estará sempre como um garrote gigante obstruindo mais uma vez a passagem do Brasil para um mundo de respeito à moral e à ética, coisa que não conseguimos nestes quinhentos anos.

Não é o Senado que irá nos deixar mais uma vez na mão. Vamos deixar que isso aconteça? Vamos esquecer de mais essa imoralidade?

Como na teoria do Conhecimento, poder-se-ia dizer de A, um fato conhecido: Temos o direito de esquecer de A se e somente se não tivermos a obrigação de não esquecer de A.


P. S. Talvez a Teoria do Esquecimento não passe nem perto daquilo escrevi nas linhas acima. Portanto, esqueça, ou melhor, lembre-se disso.


José Nagado – 30/04/01

6 comentários:

  1. Nagado, eu quero "esquecer" que existe político no Brasil!!!!!
    Só isso!!!

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  2. Muitos políticos "inesquecíveis" continuam em cena. NÃO DÁ PRA ESQUECER!
    obrigado pelo comentário.
    Abraço. Nagado

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  3. Nagado, gostaria de saber que livros leu de Haidderger ou, de modo mais geral, como foi sendo formada sua visão filosófica da própria filosofia e da vida, de Deus e do Mundo.

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    1. Caro Luiz Roberto,
      Tenho a certeza de que NÃO LI os livros “Ser e Tempo”, “Ser e Verdade”, “Parmênides” e “Caminhos do Bosque” ou qualquer ensaio, escrito por Martin Heidegger (1889-1976). Apenas li ensaios de outros autores que os citavam.
      Tenho grande curiosidade com tudo que se refere a Filosofia (Lógica, Especulativa, Prática), citando-se especialmente aqui, a Metafísica (Filosofia Especulativa), ganha-pão de M. Heidegger nos livros mencionados, onde trata do “SER”, da “VERDADE”, da “MENTIRA” e do “Desvelamento”, termos citados na “Teoria do Esquecimento do Ser” (link) e que também reverberam nas conversas sobre a condenação (impeachment) da Presidenta Dilma.
      Lembrando dos filósofos mencionados no Blog, devo dizer que procuro pensar racionalmente utilizando expedientes desses filósofos, tais como ferramentas do pensamento, seus métodos, e abordagens práticas visando atender um novo sistema de interesse, como o foi a criação do Burlesco.
      Gostaria de agregar seus conhecimentos filosóficos sobre Deus (Teodiceia) e o Mundo (Cosmologia) em suas futuras palestras.
      Muito obrigado .
      Abraços
      José Nagado (01.02.2016)

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. No dia 04.03.2016, o Brasil se aproximou um pouco mais da VERDADE, a Aletheia (do grego), conceito e lição que Heidegger nos traz dos filósofos da antiguidade clássica. Essa conexão filosófica confirma que a Operação Lava Jato possuiu diretrizes firmes em busca da Verdade e da Realidade neste país. Que Deus nos ajude.

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