Cassio Carvalheiro

sábado, 13 de junho de 2015

CRÔNICA - O NÓ CEGO (jn 30.05.2001)



CRONICA - O Nó Cego




Esta crônica  "Nó Cego" foi citada na postagem anterior, a crônica "O Palco das Ruas".
Abrimos aqui um espaço para ilustrar o pressuposto do comportamento fatalista que caracteriza o “Nó cego”  citado em Lastro conceitual  neste blog. “Nó cego” é uma crônica de maio de 2001 e que foi inserida no Burlesco, em Personagens.

(Veja o post: 2.4.3 LASTRO CONCEITUAL  - Filosofia – cont. (2)



Tal pressuposto nos diz que esse comportamento ocorre “fatalmente, independente do esforço eventual do indivíduo, em sentido contrário.” (Ho!Ho!Ho!). Além disso, “considera-se que  todos os comportamentos são inevitáveis, inclusive os de vontade”.(há! Haa!).






O Nó Cego

Dia de eleição.

Tudo pronto para a eleição. O juiz eleitoral já apareceu na TV  e deu o seu recado na véspera,  informando tudo o que todo mundo já sabia através dos meios de comunicação. O povo já sabia o horário de abertura e fechamento das urnas, a atuação dos fiscais e mesários, qual documento teria de levar, como votar e principalmente, a hora do término de votação. Aliás, falar em urnas é coisa do passado, ou coisa de americano, que nas últimas eleições presidenciais (2000) , teve um sério problema com a contagem de votos das urnas de um certo Estado lá deles, que provocou a demora de várias semanas para definir o resultado final da eleição. Aqui no Brasil já temos o voto eletrônico. A votação é armazenada em disquetes e na memória de computadores nos locais de votação e transferida via rede (net) de comunicação. Tudo muito rápido, desde o processo do eleitor na seção eleitoral até a contagem e anúncio dos resultados,como manda a nova tecnologia. Votar não demora mais que meia hora, em qualquer seção eleitoral.
Faltando cinco minutos para encerrar a votação, chega na seção eleitoral o  cidadão folgado que foi aproveitar o dia na praia, segundo o próprio. Nem precisava dizer. Estava de bermudas, camiseta suada, queimado de sol. Era o mesmo eleitor que chegou atrasado na eleição anterior, lembrou o presidente da mesa. Lembrava-se bem do sujeito, que como desta vez, chegou esbaforido e perguntando se ainda podia votar. Disse que tinha ido visitar a sogra num bairro distante, naquela oportunidade.
Não conseguiu votar, pois tinha esquecido de trazer qualquer documento que pudesse identificá-lo. Saiu lamentando-se do trabalho que teve para chegar até o local da votação e ser impedido de votar.
À noite, vi esse sujeito ser abordado por um repórter na TV. Tinha acabado de sair da seção eleitoral e disse que não conseguira votar por que o presidente da mesa não concordou que ele fosse à sua casa buscar o título de eleitor.

Não fossem as circunstâncias e o modo como estava vestido, quase poderia dizer que vi na TV, aquela triste figura que não pode votar na eleição, após as oito horas da noite, no último dia para entrega da declaração do imposto de renda deste ano. O sujeito estava com o disquete da sua declaração do imposto de renda na mão e uma reclamação prontinha na cabeça, quando foi entrevistado por um repórter, do lado de fora de um Banco.
“Tenho imposto ainda a pagar e o Leão (Receita Federal) diz que não posso entregar a minha declaração, que tive que ficar a tarde inteira fazendo na Firma . Além de ter que fazer meu imposto às pressas o Banco só recebe até as oito horas. Assim, não dá.”
Pobre contribuinte. Não conseguiu entregar sua declaração do imposto de renda e ainda terá que pagar multa por atraso. Vai ficar mais pobre ainda.
Pode parecer brincadeira, mas acho que vi novamente aquele sujeito que não conseguiu votar na eleição. Se não era ele, era aquele que não conseguiu entregar sua declaração do imposto de renda. O jeito era o mesmo. Tinha cara de injustiçado. Foi logo depois que uma emissora de TV apresentou uma reportagem sobre escritórios especializados em tirar dinheiro de motoristas aterrorizados com suas multas de trânsito. Esses escritórios anunciam, em jornais ou através de cartazes, que conseguem limpar multas de trânsito e deixam o telefone para que o pobre do infrator de trânsito solicite seus serviços.
O sujeito estava conversando com um amigo na mesa ao lado, na praça de alimentação do Shopping. Falava alto, como se estivesse dando uma declaração para que todo mundo ouvisse. Parecia esperto. Contava ao amigo, que tinha estourado o limite de pontos por infrações e que iria perder sua carteira de habilitação. O pior, dizia ele, é que “não posso pagar as multas. Não faz nem dez meses que tirei meu carro e já levei todas essas multas. Nem vendendo meu carro vou conseguir pagar as multas. Tô fodi..... Tem nada não. Amanhã mesmo vou num escritório que um amigo me falou que tira qualquer multa”.  
Não era esperto. Talvez assim pensasse, ao ultrapassar a velocidade permitida  ou transitar em dia de rodízio, cruzar faróis vermelhos, ou outra infração que sua esperteza ainda espera anular num daqueles escritórios especializados. Tomara que caia nessa. Assim estaremos livres de mais um infrator de transito, sem carro, sem dinheiro e sem carteira de habilitação. 

Há uns dias atrás, logo após o Presidente da República (FHC) ter lançado a Medida Provisória 2148-I que impõe as regras e metas para o racionamento de energia, emissoras de TV andaram perguntando à população, o que achava dessa medida. O povo já estava informado da necessidade insofismável de racionar o uso da energia elétrica, de quanto teria que reduzir o consumo de energia na sua casa e das penalidades que poderia sofrer caso não conseguisse atingir sua meta de redução, inclusive da possibilidade de ter cortada sua energia. A Medida era inconstitucional, antecipavam alguns juristas, aos quais logo fizeram coro muitas vozes, com razão, diga-se de passagem.
Todos concordavam que o governo tinha dormido de touca, como se diz na linguagem popular, por não ter tomado providências a tempo de evitar a situação calamitosa a que chegamos, mas concordavam também que todo mundo deveria reduzir o consumo de energia. As usinas da região Sudeste e Nordeste estavam com suas barragens abaixo do nível aceitável para enfrentar o período de  estiagem que vai até o fim do ano. Nunca o povo aprendeu tanto sobre o Sistema Elétrico, uso da energia elétrica, e mil maneiras de reduzir o consumo.
Foi nesse clima que vi ser entrevistado na rua, aquele sujeito que não conseguiu votar.  Se não era ele, era aquele que não conseguiu entregar sua declaração do imposto de renda. Não. Talvez fosse aquele que estava apavorado com suas multas de trânsito. Se não era nenhum dos três, só sei que  lá estava ele, aparvalhado e ansioso mais uma vez, para dar seu depoimento. Foi mais ou menos assim:
“Essa medida é inconstitucional. Não vou economizar coisa nenhuma. Vou gastar mais “luz” do que vinha gastando. Quando receber a conta com a multa vou entrar com ação na Justiça”.
É incrível como o repórter de rua consegue achar essa figura entre tantas que se acercam de uma câmera de TV, logo que as luzes dos holofotes marcam sua presença. Isto, sem falar daquela figura anônima que aparece tranquilamente numa reportagem da televisão, no meio a uma violenta caçada a bandidos, por policiais armados, cães amestrados e  toda a parafernália. Acho existe mais de um nó cego por aí. (J.NAGADO – 30/05/01)





















quinta-feira, 11 de junho de 2015

CRÕNICA - O PALCO DAS RUAS e seus Personagens (jn.30.05.2001)

CRÕNICA - O PALCO DAS RUAS e seus Personagens


O brasileiro sofre, desesperado, com o atual Ajuste Fiscal promovido pela segunda edição do governo Dilma,  governo que promete ser ainda mais grotesco do que o anterior. No primeiro governo, Dilma iniciou inúmeras obras (do PAC) que não foram executadas, por falta de planejamento ou por falta de dinheiro. Certo: Falta de competência. Na campanha eleitoral (2014) fez promessas que não poderiam ser cumpridas. Certíssimo: falta de bom senso.
Agora, com o Brasil endividado, faz alarde de gastos de milhões em obras de infraestrutura, muitas das quais já deveriam ter sido executadas no governo anterior, clamando por investidores que  certamente estarão sedentos de propostas indecentes de um Governo eivado pela corrupção e inchado pelo clientelismo. Pergunta: Existe planejamento  (sério) do governo para execução dessas obras?
A Dilma e o PRESIDENTE  dos EUA farão reunião bilateral no plano da Cúpula das Américas, dia 30 de junho  próximo, com uma agenda altamente técnica contrastando com os temas discutidos no Brasil, onde ocorrem enfáticas discussões sobre o direito de união entre humanos e animais, além de outros direitos esdrúxulos pleiteados por políticos petistas. Não bastassem os escândalos de corrupção na Petrobrás, BNDES, etc. e agora, com o nosso maior dirigente do futebol, preso na suíça e requisitado para extradição pela justiça americana, certamente o Presidente Americano terá que ter muito controle para não dar gargalhadas ao ver diante dele a Presidenta, protagonista do noticiário e vídeos jocosos sobre o Brasil, que circulam pelo PALCO DO MUNDO. 
(Observação: Nada a ver com a crônica a seguir. Apenas quis desopilar o fígado.)


 
Introdução


Trabalhando muitos anos na região do Jardim Paulista em São Paulo, tive a oportunidade de me divertir observando alguns anônimos personagens que viviam por ali, muitos dos quais com certeza dariam estórias muito engraçadas. Alguns desses personagens aparecem em uma crônica que escrevi em  2001, relatando cenas engraçadas ou tragicômicas que   achei interessante incluir neste capítulo para caracterizar os Personagens que se apresentam naquilo que chamamos O PALCO DAS RUAS.
Quanta coisa engraçada poderia sair da boca desses personagens anônimos que a cidade grande mostra para quem quiser ver e ouvir. Um desses, vale a pena dizer, um tipo bastante popular, O NO CEGO, caracteriza muita gente que apenas vê no “outro” esse personagem. Escrevi o "Nó Cego"  em maio de 2001. Veja se não era de você, de quem eu escrevia, meu caro leitor.
Essas duas crônicas mostram como podemos ver o dia-a-dia com uma boa dose de humor, bastando estar atento aos personagens que perambulam pela cidade
 
O PALCO DAS RUAS 




São Paulo não para. Trabalha também de noite e de madrugada. Quando amanhece o dia, como diz a vinheta de uma emissora de rádio, São Paulo apenas “acerta a posição”.
Amanhece. A cidade grande “acerta sua posição”. Hordas de trabalhadores correm para não perder a hora de chegar ao trabalho.
Nem olham quem caminha ao seu lado, parado no meio do caminho ou caído no chão.
Um apressado trabalhador tropeça em um bêbado sentado na calçada. Tentando se equilibrar, o coitado apoia suas mãos em um pedinte, indo ambos ao chão. O pedinte levanta-se rapidamente e o ajuda a se levantar, estendendo-lhe mãos sujas. 
O trabalhador anônimo se transformou por um instante, de um distraído espectador a figurante envolvido com dois personagens que o palco das ruas da cidade grande apresenta todo dia.
O bêbado e o pedinte eram apenas dois dos personagens dessa tragicomédia que os olhos agora atentos do trabalhador anônimo passaram a ver.
Viu o mendigo, sentado no banco da praça, dividindo com os pombos que arrulhavam barulhentos à sua volta, os restos de pão de seu desjejum matinal.
Viu a velha senhora com os restos de roupas que um dia certamente alegraram  sua dona, parando o trânsito da Consolação com um gesto elegante e decidido, para atravessar a rua com imponência. De saltos altos e guarda sol, às sete horas da manhã.

Viu e ouviu, o orador das esquinas  movimentadas da avenida Paulista, trazendo seu recado das esferas mais bem informadas da política, recusando qualquer oferta de rendição, do seu imaginário grupo guerrilheiro. Com sua rápida metralhadora verbal disparava, ã esquerda, ã direita e ao centro, por dois minutos, se tanto, e sumia na multidão.

Viu a escritora esfarrapada sentada nos degraus da passagem subterrânea sob a Consolação, escrevendo, imperturbável, no seu caderno roto e sujo. Com certeza ela conhecia as histórias desses personagens que até então ele nunca tinha reparado, e só ela saberia dizer, quantas outras histórias mais.
Nosso anônimo cidadão chegou a pensar que todos fossem atores mambembes participando de uma campanha para humanizar a cidade.

Imaginou também que esses  personagens seriam criados por ela, a escritora, naquele caderno onde estariam registradas inéditas falas daquele que alimentava os pombos, as gags proferidas pela velha senhora quando quase foi atropelada ao atravessar a avenida e as diatribes daquele orador da Avenida Paulista.

Era, ainda, uma época bem mais tranquila, sem a violência que a cidade agora sofre. Basta lembrar, por exemplo, que nessa época, um outro personagem, ficou conhecido por suas roupas e chapéu brancos, impecáveis, ao lado de um carro conversível, estacionado todas as tardes na ponta da Avenida Paulista onde passa a Consolação. Esse curioso personagem ficou registrado nas páginas de uma revista (ou jornal) que não me lembro. Se fosse hoje, teria também grande chance de ser notícia.  Notícia policial, vítima de assalto.
O caderno da escritora deve ter guardado para sempre a história de um personagem que circulava nas adjacências da região próxima da Paulista, Consolação e Angélica.
Nas páginas do seu caderno, acredito, a escritora não deve ter registrado que seu personagem cheirava mal e andava mal vestido. Como velhos companheiros das ruas, deve ter registrado que vestia um terno velho, mas elegante, e que era sempre muito educado com todos. Que pedia com educação e ganhava restos de comida nos restaurantes da região. Vi isto, mais de uma vez, naqueles tempos. Também deve ter registrado que seu personagem estava sempre de bem com a vida, que vivia cantarolando. Que não era violento.

Assim, cantarolando, o vi certa tarde, saindo da passagem subterrânea sob a Consolação, no lado da avenida Paulista. Caminhava descontraído e sem despertar a desconfiança de quem passava por ele, apesar do seu aspecto pouco sociável.  Olhou para dentro de um cesto de lixo, daqueles que ficam suspensos, e mostrou um grande sorriso. Esfregou as duas mãos na barra do paletó e com a mão direita tirou do bolso um guardanapo de papel. Com esse guardanapo pegou aquilo que foi o motivo do seu grande sorriso: um sanduíche mal aproveitado.

Antes de passar por mim, ainda o vi limpar o petisco e levantá-lo, como se estivesse agradecendo ao seu desconhecido benfeitor. Foi a última vez que o vi.

Certamente essa cena a escritora não viu e não escreveu. No dia seguinte ela não estava no seu lugar costumeiro. Desaparecera como tantos outros personagens do seu caderno, nada deixando de vestígios para aqueles que ainda vão chegar para o trabalho.

Outros atores dessa tragicomédia logo estarão nesse palco das ruas da cidade grande. É só querer ver. (JN – 31/01/01)