Cassio Carvalheiro

terça-feira, 23 de setembro de 2014

CRÕNICA (ANACRÕNICA) - A SIMPLICIDADE PERDIDA



Crônica - A Simplicidade perdida

Ontem lembrei-me desta antiga crônica,  após conversar com a senhora que faz o serviço de faxina aqui em casa, duas vezes por mês. Gente simples, vinda do nordeste, com o marido doente, depende de salário-família. Um irmão dela, lá na terra de Lampião, também recebe todos aqueles benefícios sociais com que o governo comprou milhões de votos da população carente junto com a sua 
dignidade. Nossa ajudante, melhor informada da situação do País, já disse que não vai votar no PT. O irmão lá no nordeste diz que o "Governo rouba mas faz" e vai continuar a votar no PT. 
A dignidade da pobre mulher desta crônica, que  jamais recebeu qualquer esmola do governo, deveria ser um exemplo para todos os brasileiros. 

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A SIMPLICIDADE PERDIDA


Um amigo telefona para convidar-me para uma pescaria no Canal do Mar Pequeno, em Iguape, litoral Sul do Estado de São Paulo, onde ele estivera pescando duas semanas atrás. A pescaria fora muito boa e isto o animou a retornar, tão logo passasse o efeito das chuvas que caíram na região. Nessas ocasiões, as estradas de terra batida vizinhas ao Canal do Mar Pequeno, ficam quase intransitáveis. 

Estive no Canal do Mar Pequeno, há uns quinze anos atrás, para uma pescaria com um grupo de amigos. Para chegar ao local, tomamos uma dessas estradas de terra batida que sai à direita da estrada SP-222, logo que se cruza o rio Ribeira de Iguape. Havia chovido durante a semana e a estrada estava lamacenta. Pelo caminho, havia apenas alguns casebres aqui e ali, e de vez em quando passavam caiçaras de pés no chão carregando o palmito colhido nas matas da região. Tudo era muito pobre, com exceção dos ranchos de pescadores amadores, que proliferam na região.

Instalado num desses ranchos, pequeno mas confortável, com ampla sala, cozinha e banheiro e dois quartos, fui dar uma olhada no Canal, que ficava a menos de duzentos metros da casa. Diversos barcos de alumínio ou madeira estavam em volta da casa, que tinha também uma extensão onde ficavam os motores, as varas e demais materiais de pesca.  A tarde era chuvosa e quase não se via o outro lado, a Ilha Comprida, que se apresentava como um vulto separado pela água escura e um pouco agitada do canal. Dois meninos na beira lamacenta do canal caçavam siris, talvez o jantar do dia seguinte ou alguns cobres (cruzeiro novo em dinheiro tupiniquim) pagos por viajantes à beira da estrada.

O jantar, fora de série, parecia ter sido feito por um cozinheiro internacional. Nada a dever. Peixada, é claro, refinada e muito saborosa. O caseiro e sua mulher tinham aspecto simples e limpo, e trabalhavam rápida e silenciosamente. Eficientemente, iguais a caseiros de casa rica de novela da TV Globo. Aliás, na primeira vez que ouvi aquela mulher falar, foi quando alguém lhe perguntou onde aprendeu a fazer aquela peixada. “Foi no programa de culinária na televisão”, respondeu, singelamente, e pediu licença para voltar à cozinha. O caseiro, aproveitando o descanso do pessoal após o jantar, já estava conversando com o dono da casa sobre os barcos, motores e quantidade de iscas que deveria providenciar para a pescaria da manha seguinte. Tudo muito profissional e bem pago, pelo que soube.

A pescaria foi muito boa. À tarde, após o almoço, outra demonstração de refinamento culinário dos caseiros, avisei o meu amigo, o dono da casa, que iria até a cidade de Iguape encher o tanque do carro, já que pretendia voltar cedo para São Paulo na manhã seguinte.
O dono da casa me avisou que a caseira precisava de alguma coisa na cidade e lhe ofereci carona. Conversando com a caseira, esta disse que iria pedir à sua mãe para ir comprar um remédio na farmácia e saiu na direção da casa dela, pedindo que passasse lá para pegá-la.

Logo na saída do rancho, alguns metros adiante na estrada de terra batida, ainda mais lamacenta após a chuva da tarde, ficava o casebre de pau a pique da mãe da caseira. Surgiram ambas de dentro da casa, sem porta. Uma senhora velha, de aparência bem judiada, chinelos de dedos, recebia as últimas recomendações da filha, junto com o dinheiro. Um amigo que ia comigo, ajudou a velha mulher a subir no banco de trás do carro, pelo que a mulher agradeceu com um “Deus te abençõe, filho”. Logo que comecei a andar, fez um Sinal da Cruz, aquele gesto respeitoso de pedido de proteção dos católicos à moda antiga, da gente simples do interior.

No caminho, a estrada lamacenta e lisa, me fez lembrar do sinal de devoção da velha senhora. Pedi-lhe: “Se a senhora achar que esta estrada está muito ruim, nós iremos pelo asfalto (SP-222)”.

“Não paga a pena, filho. Por aqui é mais perto”, disse a velha.

Vendo aquela senhora, pobre moradora daquele canto esquecido pelos governos e só visitado por pescadores despreocupados com  aquela pobreza dos caiçaras, tive até vontade de comprar o remédio para ela, num gesto de caridade que certamente seria muito bem recebido por ela. Gente simples e necessitada.

Na entrada da cidade, avistei um posto de gasolina e avisei a velha senhora que encheria o tanque ali e depois iria leva-la até a Farmácia. “Nhor não, filho. Não é preciso. Fico aqui mesmo”.

Desci ao lado da bomba de gasolina e abri a porta do carro para a velha senhora descer. Ela desceu do carro, endireitou o corpo numa postura comicamente altiva reforçada pelas vestes rotas que usava. Pensei que ia agradecer e talvez combinar o retorno.
Antes que eu insistisse em levá-la à farmácia, ouvi dela:

“Obrigada, filho. Quanto devo pela viagem?”

Após alguns segundos de espanto, só consegui falar: “Não foi nada, Vó. Vai com Deus”.



(JOSÉ NAGADO – 25/06/01)













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terça-feira, 2 de setembro de 2014

POST 04.2014 – LANÇAMENTO DE “QUADROS E HAICAIS – Haicais na Pintura”


POST 04.2014 – LANÇAMENTO DE “QUADROS E HAICAIS – Haicais na Pintura”

Tenho o prazer de anunciar neste mês de Setembro, o lançamento do livro “Quadros e Haicais – Haicais na Pintura”, pela Editora Perse.   
Iniciado em 2003, este livro foi registrado nas páginas do blog Confrarias do Riso em 2013, passando a ganhar o incentivo de amigos nos seus primeiros passos e onde também ganhou padrinhos que lhe apontaram o rumo a seguir.
Veja a apresentação de “QUADROS E HAICAIS” no link:


Assim, “Quadros e Haicais – Haicais na Pintura”, começou a deixar o obscuro destino de muitos escritos que acabam esquecidos para sempre nas gavetas.
Em 2014, em vias de ser concluído o trabalho de diagramação da editora, um repto aos literatos inéditos foi acrescentado no livro:
“Aos Companheiros de desassossegos literários, para que publiquem seus trabalhos”.  

A ilustração da capa de “Quadros e Haicais – Haicais na Pintura” foi sugerida pelo texto inicial do livro e os textos das duas orelhas e do verso da capa traseira fazem alusão ao conteúdo deste pequeno livro.
Veja e leia a capa e orelhas:


 









DATAS E LOCAIS DE LANÇAMENTO SERÃO INFORMADOS BREVEMENTE ATRAVÉS DO BLOG CONFRARIAS DO RISO, FACEBOOK, ETC