(Crônica 03 - 2001)
CRÔNICA (ANACRÔNICA) - MR. STREET - (24.01.2001)
Caros leitores
O Esquete do Estilo Satírico vai demorar mais um pouco para ser postado, pois tive que mudar de foco atendendo a "sugestões" de amigos, preocupados com os "elogios" feitos a certos políticos, em outros esquetes.
Enquanto o Esquete do Satírico não saí do "forno", resgatamos para vocês uma crônica cosmopolita, escrita em 2001, sobre uma estadia de três meses na Inglaterra, em 1979.
MR. STREET
Recentemente, acho que foi em uma crônica de “Família
Brasil”, publicada aos Domingos no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, vi uma
satírica definição de Veríssimo sobre a Commonwealth: “Estranha comunidade
formada por um malandro e todas as ex-mulheres que ele espancava”.
Em 1979, tendo que passar no escritório de uma companhia
aérea no aeroporto de Heathrow, em Londres, eu tive a oportunidade de conhecer
o saguão de espera destinada aos cidadãos dos paises da Comunidade Britânica, a
Commonwealth. Não sei se ainda hoje existe tal área, nesse aeroporto. Ali,
cidadãos de vários países, alguns trajados com vestes características do seu
país, falavam a língua inglesa com os mais diferentes sotagues, mas com aquela
postura afetada por muitos anos de colonização britânica.
.
A princípio, aquele ambiente supostamente mais acolhedor que
o saguão de espera destinado a passageiros de outras nações, me deu uma
sensação de discriminação, mas pensando melhor, achei que não iria me sentir
satisfeito naquela espécie de curral, símbolo dos interesses econômicos
britânico, ou como se costumava dizer, da proteção da Coroa Britânica. De
qualquer forma, achava que a “Commonwealth” era uma coisa anacrônica, como já
era o colonialismo inglês, com a independência de países como a Ïndia, Egito,
Birmânia, Iran, Iraque e outros do antigo Império Britânico.
Como falei, no início, estávamos em 1979. Era início da
Primavera na minha estada na Inglaterra. A beleza vitoriana das construções em
Londres, seus museus, parques, o metrô (subway), ruas, avenidas, tudo me
parecia familiar embora nunca tivesse estado por lá anteriormente. De
Shakespeare, vi-lhe uma peça representada em inglês arcaico e sua última
residência em Stratford-Upon-Avon. Conheci na Liverpool dos Beatles alguns dos pontos biográficos desse grupo
fantástico que agitou nossa juventude, cuja música ainda nos faz sentir jovens.
Vi seus campos verdes, que a minha imaginação logo colocou um grupo de
cavaleiros a perseguir, com a matilha de cães bem treinados, aquela raposa
esperta.
Vi o fanatismo inglês pelo futebol. Os Holligans são
fenômeno mais recente, mas não me espantou que um dia viesse a ocorrer, com
tanto fanatismo pelo futebol. Um dia, no centro de Londres, vi um Inglês de um
metro e sessenta, franzino, bêbado e mal vestido, desafiar um robusto Irlandês
bem vestido de um metro e noventa. Velha briga de origem religiosa. Após um
primeiro sopapo que jogou o ingles longe, este ainda tentou revidar, mas foi
contido por uma dupla de policiais que logo acabou com a briga. Não daria para
falar de tudo que vi e conheci. Conheci um pouco de sua gente.
Fiquei a maior parte do tempo em uma pequena cidade bem no
centro da Inglaterra. Lá, como participante de um curso para estrangeiros, fui
muito bem tratado e tinha contatos com famílias inglesas muito gentis.
Era época de campanha eleitoral para o parlamento inglês.
Andando no centro da cidade, fui abordado por um distribuidor de folhetos do
partido Conservador. Talvez tivesse sido
confundido como um eventual admirador das idéias do partido, pela minha
aparência asiática. Nada de mais. Até me senti um pouco inglês.
Queria até ser inglês como Mr. Street. Diretor comercial da
sua empresa, para a América Latina, próximo da aposentadoria. Vivia naquela
pequena cidade e tinha uma casa boa e agradável, dois carros na garagem,
modestos, diga-se de passagem, se levarmos em conta o que vemos por aqui em
matéria de exibicionismo de executivos menos importantes, E tinha
principalmente, uma linda família: esposa e dois filhos universitários. Eram
interessados em tudo sobre o Brasil. E eu falava das coisas daqui do Brasil e
comentava tudo o que estava vendo e sentindo na Inglaterra.
Quase no fim da minha estadia na Inglaterra, já bastante
acostumado com as sutilezas da educação britânica, falei-lhes, com bastante
cuidado, daquela impressão de discriminação que senti no aeroporto de Heathrow,
com relação aos cidadãos da Commonwealth. Pela respeitosa concordância de
todos, tive certeza que Mr. Street e sua família jamais iriam conseguir
explicar aquele tipo de discriminação. Sabiam que eu iria levar a melhor das
impressões do povo Inglês, por ter convivido com eles naquela pequena cidade da
Inglaterra.
De Mr.Street, guardo a lembrança do dia em que ele, um
senhor de cabelos grisalhos tomou a minha maleta das mãos, pendurou meu paletó
bem dobrado nos seus braços e me acompanhou, como um mordomo, até a portaria do Hotel, onde eu cheguei, às
2 horas da madrugada, após ter-lhe telefonado de Londres e dito que havia
decidido ficar mais três dias na sua cidade.
Acho que nunca deveria ter-lhe falado nada sobre a minha
impressão do Aeroporto de Heathrow, apesar de concordar com a definição dada
por Veríssimo.
(José Nagado – 24.01.01)