Cassio Carvalheiro

quinta-feira, 27 de março de 2014

CRÕNICA (ANACRÔNICA) – OS MENINOS DA PRAIA (2001)

CRÕNICA (ANACRÔNICA) – OS MENINOS DA PRAIA  (2001)

Muita gente, hoje em dia, não tem idéia do que é alcançar a paz e a comunhão com a vida, quando vê a beleza de uma praia e respira  a brisa que balança as folhas dos coqueiros e agita as ondas no mar. Os meninos da Praia pareciam  atores  desse cenário. (josé nagado-27.03.2014)




OS MENINOS DA PRAIA (josé nagado-17/01/01)


   Caminhando pela água rasa para chegar até os corais da praia da Coroa Vermelha, em Porto Seguro (BA), comprei dois espetinhos de camarão por um real, que um esperto menino veio nos oferecer. O menino estava acompanhado de um outro menino mais novo e cada um carregava uma travessa ainda cheia de espetinhos.

   Após o passeio pelos corais, já instalados numa mesa de um bar, na sombra gostosa de um chapéu de sol, ficamos ali curtindo aquelas coisas que uma praia pode oferecer. Primeiro, a água de coco. Depois, o queijo quente, para provar. A batidinha inevitável, algumas ostras e o cajuzinho torrado também foram saboreados enquanto se aguardava uma porção de aipim frito. 

   Uma indiazinha se aproxima e oferece roupas indígenas infantis. Retorna depois, para pedir um pouco de aipim à minha companheira. Atendida, corre para dividir com outra indiazinha que ficara à distância, observando.

   Os meninos dos espetinhos nos reconhecem e se aproximam. Puxo conversa, e logo fico admirado com a esperteza do menino mais velho, que contou que tinha dez anos, estava estudando e já vivera em São Paulo com a família, até o pai se aposentar por invalidez, quando retornaram a Porto Seguro.

    Falante, demonstrou conhecer bem o seu negócio, que começou com dois quilos de camarão que seu pai ganhou, em pagamento pela limpeza de um cesto de camarões. Naquele momento, a produção de espetinhos já consumia cerca de vinte quilos de camarão. Esses camarões eram comprados ali mesmo, na Coroa Vermelha, pois se fossem comprados no Porto, não dariam lucro por serem mais caros, disse ele.

   Aproximam-se mais dois meninos, um deles vendedor de queijo quente e outro, de lembranças da praia. O primeiro senta-se na areia e procura conversa com o menino dos camarões, o mais velho. O outro, senta-se na areia, ao lado da minha cadeira. Sério, carrancudo, nem oferece sua mercadoria. Puxo conversa.

   Só tinha vendido duas peças até àquela hora, e carregava duas consigo. Realmente as duas peças eram pouco interessantes. Perguntei-lhe se não havia outras peças diferentes para oferecer. Teria que ir buscar em algum lugar que não falou. Falou que era índio da tribo Pataxó, a mesma tribo do índio que foi morto em Brasília, por garotos de boa família que tocaram fogo nele. Sabia da história e revelou que sua tribo iria mandar um ônibus cheio de pataxós a Brasília, para vingar aquele seu parente.

   O menino dos camarões falou que também era pataxó. Comentei então, que além de parentes eles, os meninos, eram amigos. O indiozinho cortou logo: “Não tenho amigo”.

   Ambos ficaram calados por um momento. Talvez algum desentendimento anterior tenha motivado isso. Para melhorar o clima, ofereci-lhes aipim, que ninguém aceitou.

   Aqueles meninos que estavam ali, apenas jogando conversa fora com um casal de estranhos, com certeza eram uma amostra significativa de um batalhão de garotos para quem a luta pela vida começa cedo, nas praias de Porto Seguro. Nenhum deles teria mais de onze anos. Todos saem cedo de casa e ficam na praia o dia todo vendendo seus produtos. Apenas o mais novo dos vendedores de espetinhos, de seis anos, disse que ia para casa para almoçar e trazer mais camarões para seu irmão. Os outros disseram que não comiam nada o dia inteiro.

   Apesar da idade, nove anos, o indiozinho Pataxó, não estava estudando. Fala a língua indígena e até nos disse, com uma ponta de satisfação, algumas palavras em sua língua. Quando lhe perguntei se morava na taba com seus pais, ele falou, com firmeza e orgulho: “Moro em casa”.

   Dois meninos mais velhos, de 16 a 18 anos se aproximam e oferecem seus produtos. Em seguida, discutem rapidamente entre si, sobre uma desconfiança de um deles, que é rebatida prontamente pelo outro. Talvez uma disputa por alguma rapariga da praia, pensei, lembrando-me de Jorge Amado e do seu “Capitães de Areia”. Os meninos mais novos começam a debandar. Os meninos da praia precisam continuar seu trabalho.

   O indiozinho logo estava vendendo uma peça para uma senhora  da mesa ao lado, que dizia a ele que deveria estudar.

   Caminhando um pouco mais para o Norte, visitamos a comunidade indígena, conhecida pelo seu museu, centro comercial e casas de alvenaria, motivo do orgulho tribal do indiozinho, e talvez da sua bronca  com o menino dos camarões, por este não fazer parte da sua comunidade. Quem sabe?


(José Nagado  -17/01/01)


segunda-feira, 10 de março de 2014

CRÔNICA (ANACRÔNICA) - EM CARTAZ


CRÔNICA (ANACRÔNICA) - EM CARTAZ

Estava aguardando a premiação do OSCAR deste ano (2014)  para postar esta Crônica - Em Cartaz, com a qual faço uma homenagem a um amigo e ex-colega de Colégio, cuja obra cinematográfica tem sido admirada por muitos cinéfilos adeptos do filme sobre Sexo. Respeitando a discrição do amigo troquei o seu nome nesta crônica, mas espero que me dê a alegria de um e-mail ou contato através deste blog. 

EM CARTAZ  (José Nagado - 11.03.2001)

O menino passou em seu triciclo, descendo a avenida poeirenta para ir até a esquina onde ficavam os cartazes dos filmes que seriam exibidos naquela semana, em dois dos três cinemas da cidade.

Era assim, vendo os cartazes dos filmes, que as crianças, jovens e adultos da cidade de Registro, escolhiam o filme mais atraente, mesmo que acabassem indo aos dois cinemas, por falta de outra opção de lazer. O terceiro cinema, que eu me lembre, não colocava seus cartazes naquela esquina. Este cinema só apresentava filmes japoneses, onde a velha colônia japonesa ia chorar seus dramalhões, com todo respeito. Não havia escolha para eles. Algumas vezes eu ia lá, assistir a filmes de guerra ou de samurais.

Curtir cinema, nos anos cinqüenta da nossa infância, era vibrar com os seriados semanais das matinês, vendo e mergulhando junto com os nossos heróis, nas aventuras vividas por Niyoka, Flash Gordon e Tarzan. Era rir com as confusões aprontadas pelos cativantes Gordo e Magro, ou pelos violentos Três Patetas ou torcer pela vitória do Mocinho nos filmes de bangue-bangue.

Nas sessões noturnas, eram apresentadas comédias mais adultas, como os filmes do heróico Buster Keaton e da Tetéia dramática de Charles Chaplin, alguns com forte conteúdo social. Dos Irmãos Marx, creio que a censura americana só nos deixou ver sua cômica crueldade.

Para o pré-adolescente de então, os grandes filmes como Sansão e Dalila, E o Vento Levou, Spartakus, Os Últimos dias de Pompéia e outros épicos, produzidos nos estúdios de Hollywood, que a cidade pequena trazia para seus cinemas, eram tão importantes quanto os ingênuos filmes produzidos pelos esforçados estúdios da Atlântida e da Vera Cruz.

Oscarito, Grande Otelo e o nosso Mazzaropi, faziam parte do nosso imaginário do brasileiro, malandro ou ingênuo, e muito diferente do herói americano, que cansamos de ver nos filmes, vencendo guerras contra japoneses, alemães, e escaramuças contra os peles vermelhas. Além disso, os americanos cansaram de nos mostrar seu modo de viver, nos filmes do tipo água com açúcar, enquanto víamos somente a disparidade entre a nossa pobreza urbana nas favelas e a vida elegante dos ambientes mais sofisticados.

O Brasil da marcha lenta do início da década de cinqüenta, acelerou um pouco durante o governo do presidente (1956-60) JK, com seu slogan “Cinqüenta anos de progresso em cinco de governo”.  O adolescente do início dos anos sessenta aspirava ter seu fusquinha fabricado pela indústria automobilística nacional, que o Presidente Bossa Nova (JK) implantou no seu governo. Curtimos bastante o ambiente cult da Bossa Nova, internacionalizada num Carnegie Hall de muitos mitos. Repetimos nosso grito de alegria com a conquista do bicampeonato mundial de futebol de 1962. Celebrávamos nossos escritores, lendo adoidados, obras de Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, e outros. Iniciamos o gosto pelo Teatro vendo Vida e Morte Severina, no recém inaugurado Teatro Oficina (em 1961). Vimos também, de graça, muitas peças apresentadas pelos alunos da Escola de Arte Dramática, no prédio da Pinacoteca do Estado, na Avenida Tiradentes. O Cinema brasileiro ganha nessa época dois importantes prêmios no Festival de Cannes. O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto e O Pagador de Promessas, de Dias Gomes.

Tinha nessa época, um colega de colégio, o Javier,  Taiwanes, simpático, reservado em suas conversas, era um entusiasta do novo cinema brasileiro. Dizia ele, então, que queria ser diretor de cinema, do cinema engajado, para poder mostrar os problemas sociais brasileiros.

Pouco tempo depois, o Brasil mergulhou numa fase de censura intelectual por quase vinte anos, durante a ditadura militar (1964-1988).

Encontrei o Javier na Avenida Paulista, num dia desse período, em 1975 ou 1976. Não estava nada animado e disse que vinha fazendo “um ou outro trabalho, sem muita importância”.

Lembrei-me dessa conversa com meu colega do colégio, após assistir “O Tigre e o Dragão”, filme de artes marciais, com várias indicações ao maior Prémio do Cinema, o Oscar 2001, do diretor taiwanes, Ang Lee, conhecido anteriormente por trabalhar em produções psicológicas como Tempestade de Gelo e Razão e sensibilidade, bem diferente de um filme de ação e pancadaria. Uma opção comercial.

Sei que meu colega Javier não produziu nenhum “O Quatrilho”, “Central do Brasil”, “Eu, tu, eles” ou “Dona flor e seus dois maridos”que não precisam ganhar O “Oscar” para serem admirados por muitos  brasileiros. Há uns quinze anos atrás ele foi notícia de jornal, envolvido na produção de filmes pornográficos. 

Tenho certeza de que sua incursão pelo filme pornográfico não foi uma escolha tão simples como teria sido a do menino do triciclo, ou do seu compatriota Ang Lee.


JN – 11/03/01



domingo, 9 de março de 2014

POST 16 -13 – ESQUETES: IGNORANTÃO – produto de Individuação


POST 16 -13 – ESQUETES:  IGNORANTÃO – produto de Individuação

Introdução
Estamos dando continuidade à apresentação da série de esquetes (de humor) de estilos de comportamentos relacionados às quatro Categorias  do Burlesco : Pobre de Espírito, Gozador, Espirituoso e Genial ,  utilizando a estrutura (caráter x fundamentos x tendências) definida em “Burlesco” (http://licburlesco.blogspot.com.br).

Categoria Pobre de Espírito

Um resumo da Categoria “Pobre de Espírito” foi apresentado em http://licburlesco.blogspot.com.br/search?q=pobre+de+esp%C3%ADrito-20.05.2012.

Três esquetes mostram a essencialidade de estilos de comportamento dessa categoria:


Os estilos desta Categoria (Simplório, Cândido, Inocente útil e Ignorantão)  foram agrupados   devido a uma disposição permanente de caráter, identificado comumente com a imagem   compassiva que nos transmitem.  ("E quando aprendemos melhor a divertir-nos, esquecemo-nos melhor de fazer mal aos outros e de inventar dores". - Nietszche, em "Assim falou Zaratustra/dos Compassivos").

O agente deste estilo (o Ignorantão) costuma  mostrar-se auto-confiante, conhecedor de ambientes e dominador de situações, mas em geral se compromete quando mostra suas credenciais
Neste esquete faremos uma apresentação do Estilo Ignorantão com base na estrutura normal do Burlesco  e em seguida designaremos o Ignorantão como um produto de Individualização.

Ignorantão

No “Aurélio”: Diz-se do indivíduo muito ignorante mas pretensioso.

Nota do autor:
Nessa forma, “Ignorantão” nos transmite a idéia de um arremêdo de indivíduo, destituído de valores morais e provavelmente desclassificado como cidadão, embora tenha a pretensão de viver em liberdade.    O “muito ignorante” leva o leitor a pensar que nosso texto irá  tratar de indivíduo pouco informado  ou mesmo um simples analfabeto. Veja alguns complementos que identificam esse indivíduo.

O  Ignorantão caracteriza-se por uma certa dose de canalhice, maneirismos periféricos e hábitos oportunísticos. Procura adaptar-se às exigências do princípio da (sua) realidade procurando ocultar, no mito, sua realidade social, seja através da ostentação, hábitos extravagantes  ou freqüentar ambientes sofisticados  em relação aos quais procura mostrar-se um entendedor e um “habituée”.

Fundamento Lógico
Nota do autor: Fundamentos Morais (Ideológicos) e Comportamentais considerados no Burlesco, embora esclarecedores do estilo burlesco do Ignorantão, foram omitidos neste esquete visando a simplificação deste esquete.

Em situações controversas que vivencia, o Ignorantão revela aquela  imagem compassiva que nos transmite, mormente quando analisado sob o aspecto do “Princípio lógico de Contradição (ou de Não contradição)”, que diz: “É impossível que um mesmo atributo convenha e não convenha a um mesmo sujeito, no mesmo lugar e ao mesmo tempo”. (da lógica clássica de Aristóteles (384-322 a.C)).
Embora seja visto como um princípio já bastante assertivo, deve-se considerar ainda o crivo da teoria da verdade,  que avaliou esse princípio para situações contraditórias, justificando-se a teoria da Correspondência : “Algo é verdade quando há uma correspondência entre esse algo e a realidade”.     
O Ignorantão tenta validar essa teoria para si e para os outros companheiros,  quando investe todo  o  poder de  seus métodos (“esse algo”), para posicionar favoravelmente o julgamento crítico (a  realidade do IGNORANTÃO) frente ao público.

A propósito, podemos dizer, por exemplo, que no julgamento da Ação Penal 470 (vulgo “Mensalão”), o povo brasileiro viu  com pesar a não condenação do “Ignorantão”  por formação de quadrilha, apesar de a Justiça ter comprovado  a teoria da Correspondência (“Algo é verdade quando há uma correspondência entre esse algo e a realidade”) .

G.C. Lichtenberg  coloca o Ignorantão (ainda livre) em seu devido lugar:

“Creio que o homem (o Ignorantão) é, no final das contas, uma criatura tão livre que se lhe não pode contestar o direito de ser aquilo que pensa ser”. 

Nota do autor:
No Burlesco, (em princípios da Lógica), também decorrentes das teorias da verdade, consideramos a implicação da teoria Pragmática no estilo Especialista,  e a implicação da teoria da Coerência, no estilo  Cerebral, visando a convergência do “Princípio lógico de Contradição”, analisadas pelo filósofo brasileiro Newton da Costa (1950).

Desempenho
Em função de situação analisada, questiona-se o desempenho do Estilo Ignorantão, com uma questão fundamental no Burlesco: quando esse estilo provoca o riso ?

- Quando o agente do estilo se  vê obrigado a se desfazer publicamente (ou sigilosamente) de constrangida lealdade amizade cooptada em outras épocas. (Lula e Dirceu possuem mesmas origens políticas?)

- Quando esse agente provoca divergência ou conflito entre normas sociais do ambiente onde convive e as suas, estas traduzindo valores que traz de ambientes outros que ele mesmo identifica em sua origem de “cachorro vira-lata”, sem uma linhagem respeitosa de parâmetros culturais. (Gafes sociais e culturais dos nossos políticos)

- Quando esse agente é miseravelmente desclassificado  pela  própria pessoa a quem um dia admitia perante a “tribo”: “Palavra que eu também teria feito da mesma maneira”.  (políticos Ilustres desclassificaram políticos corruptos.)

Estado
A Teoria (da correspondência) aplicada à vida afetiva do “vira lata” Ignorantão, diz que, dado o constrangimento geral que este provoca pela sua simples presença,  seu estado permanente é de vigilância, com receio de levar uma vassourada, ter um cachorro maior atiçado em sua direção ou simplesmente ser levado pela “carrocinha”. Seu disfarce (certa dose de canalhice, maneirismos periféricos e hábitos oportunísticos, e badulaques materiais e sociais que cultiva até com certa competência), o coloca num estado contraditório entre a certeza do lixo que habita e o  mundo das ofertas de prazer que busca constantemente.  



O estilo IGNORANTÃO

Será apresentado como resultado de um processo de   individuação cujos aspectos básicos, arquétipos e instintos,  reportamos em postagens no blog (v. links):


Comportamento burlesco e a individuação

O Ignorantão exterioriza seu estilo de comportamento burlesco,  caracterizando um processo de individuação, reconhecido em casos que veremos  adiante.   

Os links (1), (2) e (3) apresentam os conceitos básicos (arquétipo, imagem, imaginação ativa, intuição, etc.)  desse processo.


Arquétipo (extrato de Burlesco)

“Este termo, na psicologia analítica, se refere a estruturas inatas, matrizes universais inscritas no consciente coletivo,  formadas por imagens psíquicas  do inconsciente coletivo comum a toda a humanidade, que servem de matriz para  desenvolvimento da psique e que acabam por se instalar no indivíduo junto com o inconsciente pessoal.”
O inconsciente  pessoal conteria “todas as aquisições da existência pessoal tais como o esquecido, o reprimido, o subliminarmente percebido, pensado e sentido,  somado ao inconsciente coletivo”, no extrato da camada mais profunda da psique, e seria associado a motivos e imagens mitológicas herdadas do funcionamento psíquico em geral, ou seja, da estrutura cerebral herdada. O Paraíso, crença existente nos mais distintos povos, constitui uma “situação em que não há carências e as satisfações são imediatas e ilimitadas”, é um exemplo de arquétipo.
A relação pessoal, por exemplo, com o Arquétipo ou simbolismo do "Pai", do "Poder", é chamada de Complexo (originado no inconsciente pessoal), tal como o Complexo de Édipo, que a Psicologia  define como a “inclinação erótica  recalcada de uma criança pelo progenitor do sexo oposto, em virtude do conflito ambivalente com o progenitor do mesmo sexo, ao mesmo tempo amado, odiado e temido”. (“Aurélio”)
Assim, “Pai” tem função simbólica relacionada a algum poder, tal como o respeito imposto pelas regras, o receio de um DNA perversamente danificado, a (expectativa da) paternidade, o culto do macho (falo masculino), e outros simbolismos. Já o GRANDE PAI é um exemplo  de arquétipo junguiano, o “pai” coletivo comum na religião ocidental,  na figura de um grande Deus masculino que tudo vê.


Os arquétipos mais conhecidos estão relacionados a quatro principais impulsos humanos  Cada impulso pragmático caracteriza arquétipos  em diferentes situações. (estado de coisas)

->Mestria/Risco: (arquétipos do Herói, Fora-da-Lei e Mago).
->Independência/Auto-realização:  (arquétipos do Inocente, Explorador e Sábio).
->Pertença/Grupo:  (arquétipos do Bobo da Corte, Cara Comum e Amante).
->Estabilidade/Controle:  (arquétipos do Criador, Prestativo e Governante).
(Ref. Margaret Mark e Carol Pearson no livro “O Herói e o Fora-da-Lei”.)


Individuação

Nota do autor: O texto a seguir resume o processo de Individuação,  que terá  versão completa  em uma postagem a ser feita brevemente.

Individuação
Individuação , como um processo de simbolização, subjetivo, resistente ao predomínio da razão, rico de ilimitadas possibilidades culturais. Nesse contexto, a individuação  adere aos conceitos vistos, segundo um modelo que caracteriza arquétipos  em diferentes situações (estado de coisas). Este modelo pode ser verificado sob os seguintes aspectos no comportamento do sujeito individuado:

a) Escolha da aparência ideológica (conhecimento) derivada do arquétipo.
b) Direcionamento (morbidez)  dos  sentidos  das ações
c) Ajuste (ação)  do equilíbrio e solidez da arquitetura psicológica construída pela imagem e  pragmática gerada pelo arquétipo e suas tendências.

Escolha  
Inconscientemente o  indivíduo “escolhe” a aparência ideológica do arquétipo, com o qual pretende influenciar comportamentos ou atitudes das pessoas. Por exemplo, a compulsão para o poder, associado a um fantasma da história  (que tal Hitler?), certamente facilita ao indivíduo convencer as pessoas, ao invés de apelar para boatos e mentiras, ou usar de paradoxos, paródias, contrastes absurdos, contra-senso, caricaturas, etc.

Direcionamento
O direcionamento dado pelo indivíduo, como resultado das tensões ou motivações recebidas do ambiente via inconsciente arquetípico  e em especial da sua particular visão do mundo, é feito através de suas “contribuições”, ás vezes cômica, séria outras vezes, mas normalmente constituída de traços de subjetividade, quando não distorcidos dos valores éticos e morais ou da realidade.

Ajuste (v. tendências)
O equilíbrio e a solidez psicológica do sujeito individuado, de maneira geral, depende do ajuste daqueles aspectos distorcidos dos valores éticos e morais ou da realidade, considerados como tendências.

É verdade que alguns arquétipos mostram características de doenças patológicas, que devem ser adequadamente tratados pelos psicólogos clínicos ou pela psiquiatria. Casos patológicos não merecem o riso da zombaria,  mas sim pena e comiseração, pelas vias do tratamento politicamente correto que ensejam.
Portanto, o arquétipo, direcionador do comportamento burlesco, fornece uma visão particular de mundo ao indivíduo. Produz conceitos insensatos que buscam a coerência interna e externa de elementos emocionais e imaginários do modo de pensar (fisiológico), que resulta  comportamento diferenciado e mórbido em relação ao ambiente que o cerca. Isto constitui as peças principais do mecanismo psicológico e cultural comumente consideradas na utilização de arquétipos no burlesco.
Lembrando o princípio da Individuação, finalmente poderemos dizer: “Ei-lo”:

Contribuições
A individuação como fonte de humor, agrega contribuições seja em considerações sobre “focos de subjetivação”, “traços de subjetividade”, “tipos psicológicos”, “simbolizações” , seja  pelos temas que explora (imagens como  “Sacrifício”,  “criação de valores”, o aspecto lúdico, etc),    que Jung, Freud e outros pesquisadores da psicologia e da psiquiatria acrescentam como valor propedêutico  ao Burlesco.
Por exemplo,    a imagem  arquetípica do  “ SACRIFÍCIO  ”, que  um  candidato  a cargo no Senado  admitia estar fazendo em nome da Nação. Ei-lo, com o seu  comportamento, derivado provavelmente do arquétipo do Herói !!.

“Essa parte do inconsciente não é individual, mas universal; em contraste com a psique pessoal, ela possui conteúdos e modelos de comportamento que são mais ou menos iguais em todos os lugares e em todos os indivíduos...
O arquétipo é essencialmente um conteúdo inconsciente que é alterado ao tornar-se consciente e ao ser percebido, e assume sua cor a partir da consciência individual na qual por acaso aparece”. (C.G.Jung - The Archetypes)

Apresentamos a seguir, exemplos de comportamentos derivados de arquétipos :

Arquétipo  1 – O genérico politicamente incorreto
Recomenda-se muito cuidado, pois o indivíduo que usa  tal arquétipo está habituado a:
- apropriar-se de idéias de outra pessoa.
- diminuir a importância dos outros.
- fazer comparações desonestas, colocando as pessoas no mesmo valo fétido em se encontra.
- fazer acusações infundadas.
- agredir qualquer pessoa que seja mais qualificada que ele.

Arquétipo 2 - Político
Certo político brasileiro pode  ser reconhecido pelas  expressões que definem seu arquétipo:
- Procura manipular platéias utilizando-se de  triunfalismo ignóbil (“ninguém mais do que eu neste país, pode falar de ética.”)
- Faz apologia de sua origem humilde e de sua precária formação para contrastar com a posição de poder que atingiu.
- Demonstra total falta de autocrítica


Final
O burlesco explora cada situação em todas as suas dimensões, procurando devassar o  pensamento ou ato mais escatológico dos seus personagens, expor-lhes vontades, frustrações e irritações,  ou o fatalismo ou o determinismo de reações criadas pela imaginação ativa perante situações onde a insensatez ou a morbidez típica do gênero humano, originada no inconsciente,  acaba predominando.

A revista "Veja" relata um encontro no dia 26 de abril de 2012 entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No encontro, segundo a publicação, Lula sugeriu o adiamento do julgamento do mensalão em troca de proteção ao ministro na CPI do Cachoeira. Veja a declaração do Ministro: “Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula.”   

José Nagado – (09.03.2014)